domingo, 27 de julho de 2014

Os vicentinos e o Evangelho de 27 de julho

Os vicentinos e o Evangelho de 27 de julho

O Evangelho de hoje (27 de julho) nos apresenta duas mensagens vicentinas.  A primeira nos pede que, ao descobrir a nossa vocação de serviço ao Pobre, deixemos para trás tudo o que nos afasta de Deus.  A segunda, põe em perspectiva a nossa busca da santificação no dia-a-dia, visando estar preparados para o dia em que Deus nos chamará para viver com Ele.

O Evangelho de São Mateus (Mt 13,44-52) nos diz:

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo.
O Reino dos Céus é também como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola.
O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam.
Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes.
Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”.
Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”.
Na primeira mensagem, Jesus nos oferece duas comparações.  Tanto na primeira comparação (a do tesouro), quando na segunda (das pérolas), Jesus nos pede que deixemos de lado as “coisas velhas” e nos preocupemos com as “coisas novas”.

Para os vicentinos, isto significa a vivência profunda de duas das três virtudes teologais: a fé e a caridade.  Uma vez descoberto o tesouro e as pérolas de nossa vocação de caridade, do serviço direto ao Pobre, já não podemos ser os mesmos: nossa vida se transforma completamente, através do que aprendemos do Pobre, nosso mestre e senhor, como dizia São Vicente de Paulo.  Como sempre, nossa vocação de visita e serviço é um presente que Deus nos dá para que a vida passe a ter uma nova cor, uma nova perspectiva, um novo sentido.  Tudo isso é feito através da fé, incondicional, de que o Pobre é, na verdade, o próprio Cristo que visitamos.

Na segunda mensagem, Jesus é um pouco mais duro.  Ele nos diz o que acontecerá no fim dos tempos (dos “tempos” de cada um de nós, ou seja, de nossa vida).  Indica-nos claramente que alguns serão postos ao lado de Deus e os outros serão lançados no fogo, onde haverá sofrimento.  Não pode haver sofrimento pior do que a ausência definitiva de Deus, o vazio da justiça divina.

Jesus nos diz que os justos permanecerão em Deus.  A palavra “justo” é uma tradução da palavra hebraica “tsadikk’” e do termo grego correspondente “dikaíos”: significa a retidão na excelência moral de Deus.  Portanto, ser justo é mais do que seguir a lei: significa ser santo!

Novamente, há uma mensagem muito importante para nós vicentinos.  Não é suficiente seguir as regras ou as obrigações.  É preciso ir mais além e buscar a justiça de Deus em tudo o que fazemos (tanto na visita ao Pobre, quanto no dia-a-dia de de nossa família, de nosso trabalho, de nossa vida social).  Aqui, reside a vivência da terceira virtude teologal, a da esperança: buscamos a nossa santificação para que, tanto em nossa vida, quanto depois dela, possamos continuar a privar da intimidade de Deus, da mesma forma que buscamos a intimidade com o Pobre que servimos.

Jesus nos indica que os pescadores lançaram a rede, trouxeram-na para a praia e fizeram as suas escolhas entre o bem e o mal.  Nossa vida é assim mesmo.  Lançamos a rede, nos defrontamos com toda a espécie de ações e pessoas, e temos que fazer escolhas entre o bem e o mal.  Em cada lançamento de rede, em cada decisão, a cada momento.  Os vicentinos buscam a luz e a força para a escolha do bem, tanto na visita ao Santíssimo, quando na visita ao Pobre: nas duas, visitamos o Templo do Espírito Santo.

As duas mensagens (a do tesouro e a do fim dos tempos) se juntam em uma consistente vida da vocação vicentina.  Ao descobrir a vocação, queremos ser os “homens novos” e nos despir do “homem velho”; e isto o fazemos a cada momento de nossa vida, em que escolhemos ser santos (os que são íntimos de Deus) a ser o peixe ruim que deve ser lançado fora porque não serve para nada.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Biografia de São Tiago


Biografia de São Tiago[1]

Tiago nasceu doze anos antes de Cristo, viveu mais anos do que ele e passou para a eternidade junto a seu Mestre. Tiago, o Maior, nasceu na Galiléia e era filho de Zebedeu e Salomé, segundo as Sagradas Escrituras. Era, portanto, irmão de João Evangelista, os "Filhos do Trovão", como os chamara Jesus. É sempre citado como um dos três primeiros apóstolos, além de figurar entre os prediletos de Jesus, juntamente com Pedro e André. É chamado de "maior" por causa do apóstolo homônimo, Tiago, filho de Alfeu, conhecido como "menor".
Nas várias passagens bíblicas, podemos perceber que Jesus possuía apóstolos escolhidos para testemunharem acontecimentos especiais na vida do Redentor. Um era Tiago, o Maior, que constatamos ao seu lado na cura da sogra de Pedro, na ressurreição da filha de Jairo, na transfiguração do Senhor e na sua agonia no horto das Oliveiras.

Consta que, depois da ressurreição de Cristo, Tiago rumou para a Espanha, percorrendo-a de norte a sul, fazendo sua evangelização, sendo por isso declarado seu padroeiro. Mais tarde, voltou a Jerusalém, onde converteu centenas de pessoas, até mesmo dois mágicos que causavam confusão entre o povo com suas artes diabólicas. Até que um dia lhe prepararam uma cilada, fazendo explodir um motim como se fosse ele o culpado. Assim, foi preso e acusado de causar sublevação entre o povo. A pena para esse crime era a morte. 

O juiz foi o cruel rei Herodes Antipas, um terrível e incansável perseguidor dos cristãos. Ele lhe impôs logo a pena máxima, ordenando que fosse flagelado e depois decapitado. A sentença foi executada durante as festas pascais no ano 42. Assim, Tiago, o Maior, tornou-se o primeiro dos apóstolos a derramar seu sangue pela fé em Jesus Cristo. 

 No século VIII, quando a Palestina caiu em poder dos muçulmanos, um grupo de espanhóis trouxe o esquife onde repousavam os restos de são Tiago, o Maior, à cidade espanhola de Iria. Segundo uma antiga tradição da cidade, no século IX o bispo de lá teria visto uma grande estrela iluminando um campo, onde foi encontrado o túmulo contendo o esquife do apóstolo padroeiro. E a Espanha, que nesta ocasião lutava contra a invasão dos bárbaros muçulmanos, conseguiu vencê-los e expulsá-los com a sua ajuda invisível. 

 Mais tarde, naquele local, o rei Afonso II mandou construir uma igreja e um mosteiro, dedicados a são Tiago, o Maior, com isso a cidade de Iria passou a chamar-se Santiago de Compostela, ou seja, do campo da estrela. Desde aquele tempo até hoje, o santuário de Santiago de Compostela é um dos mais procurados pelos peregrinos do mundo inteiro, que fazem o trajeto a pé. 

 Essa rota, conhecida como "caminho de Santiago de Compostela", foi feita também pelo papa João Paulo II em 1989. Acompanhado por milhares de jovens do mundo inteiro, foi venerar as relíquias do apóstolo são Tiago, o Maior, depositadas na magnífica catedral das seis naves, concluída em 1122.

domingo, 20 de julho de 2014

Evangelização e São Tiago


Evangelização e São Tiago


Nesta sexta-feira (dia 25 de julho), comemoraremos o dia de São Tiago Maior.

Tiago é sempre citado como um dos três primeiros apóstolos, além de figurar entre os prediletos de Jesus, juntamente com Pedro e André. Como os outros apóstolos, ele é um símbolo da evangelização: foi para a Espanha, percorrendo-a de norte a sul, e evangelizando.

Este é o tema que gostaria de propor para esta semana: como uma só pessoa (humana, como nós) pode transformar todo um hemisfério.  Se não fosse por Tiago, talvez a Espanha não tivesse sido evangelizada.  Talvez toda a América Latina não tivesse sido evangelizada.

O sentido de missão de um só homem, incansável, caminhante, movido apenas por uma fé imensa no Cristo, pode dar-nos a possibilidade de estar aqui, hoje, escrevendo sobre a evangelização.

“Evangelização significa simplesmente pregar o Evangelho.  A palavra grega εὐαγγέλιον originariamente significava uma recompensa dada ao mensageiro por boas notícias (εὔ significa "bom" e ἀγγέλλω significa "eu trago a mensagem").  Por esta definição, a evangelização tem sido uma função primordial da Igreja, desde que Jesus iniciou sua vida pública, suas pregações e a escolha de seus discípulos.”[1]

A recompensa de pessoas como Tiago era a própria evangelização.  Para isto vivia e se alegrava simplesmente com a missão, com o fato de que as pessoas pudessem conhecer o Cristo que ele conhecera e, com isso, pudessem se converter.

Muitos de nós poderiam dizer que “Tiago é um outro caso: ele viu o Cristo e é um santo; nós não O vimos e nós não somos santos”.  Eu gostaria que tentássemos nesta semana, dar uma oportunidade a nós mesmos de pensar diferente, e, analisando, pudéssemos mudar nossa forma de agir.

O que faz um homem pobre, nascido em um lugar pobre, doze anos antes de Jesus, seguí-Lo até as últimas consequências, pregando, escrevendo e dando o exemplo?  Consta que Tiago foi flagelado e morto no ano de 42.  Logo, sua evangelização não durou mais que 10 anos.  Nestes 10 anos, ele conseguiu mudar completamente todo um hemisfério. 

Recomendaria que, durante esta semana, nós também fizéssemos um plano de 10 anos para cada um de nós.  Puséssemos num papel o que poderíamos fazer para mudar, não o nosso hemisfério, mas a nossa família, o nosso trabalho, o nosso ambiente social, nossa conferência ou Conselho vicentinos.  Ao escrever este plano, coloquemos o papel aos pés de Ozanam e Vicente (também de Tiago), como nossa doação a eles; ao próprio Cristo.  Uma vez “doado” o plano, comecemos a caminhar para realizá-lo.

Não é necessário ir até a Espanha para fazer o caminho de São Tiago.  Podemos percorrer o mesmo caminho, com as mesmas dificuldades, com a mesma fé, com a mesma contemplação, nas estradas que a nossa vida nos mostra.  Caminhar e resistir às tentações e falências do nosso dia-a-dia é muito mais cansativo e desafiador do que caminhar os sete caminhos de São Tiago.  Evangelizar em nossa casa é muito mais difícil do que carregar uma mochila por 50 quilômetros na Espanha.  Convencer os outros em nosso trabalho, em nossa comunidade, em nossa conferência, em nossa visita ao assistido, é muito mais duro do que percorrer os caminhos santos e banhados do suor do discípulo chamado por Jesus de “filho do trovão”. 

Se dermos o exemplo do Cristo, em nome Dele, no nosso dia-a-dia, sentiremos que também somos os prediletos do Mestre.  Uma vez sendo prediletos, nada mais fará sentido, porque descobrimos a liberdade de viver só para Ele, em cada circunstância que o caminhar da vida nos impuser.



[1] Retirado do livro “Liderança Evangelizadora” – Eduardo Marques Almeida – a ser publicado em setembro de 2014.

domingo, 13 de julho de 2014

Biografia e significado da Cruz de São Bento


Biografia e significado da Cruz de São Bento
 


"Escuta, filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho de um bom pai, para que voltes, pelo labor da obediência, àquele de quem te afastaste pela desídia da desobediência. A ti, pois, se dirige agora a minha palavra, quem quer que sejas que, renunciando às próprias vontades, empunhas as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei”      

Prólogo da Regra de São Bento


No dia 11 de julho, comemoramos o dia de São Bento.

São Bento viveu entre 480 e 547, aproximadamente.  Nasceu em Núrsia, interior da Itália. Ainda jovem foi enviado para Roma para estudar, porém não se adaptou a vida desregrada da cidade grande e decidiu isolar-se como religioso.
 
Os monges beneditinos são considerados os guardiães da cultura e do saber cristão.  De fato, ao fundar o Mosteiro de Monte Cassino, que serviu de exemplo para muitos outros mosteiros, São Bento, sem querer, difundiu na época a importância de preservar documentos e manuscritos. Porém ele não tinha como principal intenção ser apenas um guarda da cultura cristã.

É um exemplo das virtudes teologais (fé, esperança e caridade), através da disciplina, da oração, da contemplação e do trabalho.

Vale à pena estudar a Regra de São Bento, que deixou aos seus monges.  Hoje, ela serve, inclusive, de estudos adaptados à gestão empreendedora e à psicologia.  Nestes últimos sentidos, recomendaria a leitura dos livros do monge beneditino alemão Alselm Grün.

Existem diversas facetas virtuosas deste santo completo e que é chamado de Pai dos Monges do Ocidente.  Todos os dias podemos nos dedicar a estudar uma delas.

Talvez uma das mais importantes virtudes de São Bento é a fé incondicional em Cristo, como o unico que pode livrar-nos do mal, da tentação e da ação do demônio.  Um dos fatos mais marcantes de sua vida, e, por isso, refletida no cálice que se põe em sua imagem, aconteceu em um mosteiro que dirigiu, antes de fundar a sua ordem.  Por causa de sua fama de santidade, São Bento foi chamado para ser o abade (superior) do convento de Vicovaro. Ele aceitou, desejando prestar um serviço. Porém, não aceitou a vida que os monges viviam, porque não era de acordo ao que ele achava que deveria ser o seguimento de Cristo.  Foi se formando entre os religiosos uma antipatia contra o santo, chegando ao cúmulo de tentarem matá-lo com veneno, mas, abençoando a taça de vinho envenenada, como fazia com todos os alimentos que comia, ela se quebrou.

Abandonou estes monges e seguiu por diversos lugares até chegar a Monte Cassino onde fundou um mosteiro e redigiu a Regra por qual este e outros mosteiros deveriam se orientar.  Por isto, em sua imagem, também se coloca tradicionalmente, um livro de regra, junto com o cálice.

São Gregório narra que Bento teve uma visão antes de seu fim : “De súbito, na calada da noite, olhou para cima e viu uma luz que se difundia do alto e dissipava as trevas da noite, brilhando com tal esplendor que, apesar de raiar nas trevas, superava o dia em claridade. Nesta visão, seguiu-se uma coisa admirável, pois, como depois ele mesmo contou, também o mundo inteiro lhe apareceu ante os olhos, como que concentrado num só raio de sol”

São Bento usava com frequência o sinal da cruz. Utilizava como forma de proteção, salvação e afirmação da vida e obra de Jesus. Fato é o episódio em que o cálice envenenado quebra-se ao ser feito o sinal da cruz sobre ele. O sinal da cruz era recomendado por ele a todos que estivessem passando por alguma aflição ou tentação maligna. Uma cruz era o selo dos monges na carta de sua profissão quando não sabiam escrever.

É dentro deste contexto que se coloca a medalha de São Bento.  Ela foi esculpida primeiramente nas colunas do mosteiro de Monte Cassino.

 
Na frente da medalha lê-se:
Ejus in ibitu nostro praesentia muniamur.
Sejamos protegidos pela sua presença na hora da nossa morte.
Nas medalhas atuais, freqüentemente desaparece a frase que é substituída por esta: Crux Sancti Patris Benedicti, ou, mais simplesmente, pela inscrição: Sanctus Benedictus.

No verso encontram-se as seguintes inscrições:

·  CSPB      - Crux Sancti Patris Benedicti    - Cruz do Santo Pai Bento

·  CSSML   - Crux Sacra Sit Mihi Lux           - A Cruz Sagrada seja a minha Luz

·  NDSMD  - Non Draco Sit Mihi Dux           - Não seja o dragão (demônio) o

    meu guia

·  VRS        - Vade Retro Satana                  - Para traz satanás

·  NSMV     - Nunquam Suade Mihi Vana    - Nunca seduzas minha alma

·  SMQL     - Sunt Mola Quae Libas             - São coisas más que brindas

·  IVB         - Ipse Venana Bibas                   - Bebas tu mesmo teu veneno

·  E a palavra PAX (PAZ) e nas mais medalhas mais antigas: IESUS

Por isto, a oração de São Bento, que aconselho seja rezada todos os dias é redigida assim:
A Cruz sagrada seja minha Luz              
Não seja o demônio meu guia                 
Retira-te Satanás                                   
Nunca me aconselhes coisas vãs          
É mal o que tu me ofereces                   
Bebe tu mesmo do teu veneno              

domingo, 27 de abril de 2014

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO - Missa de canonização dos beatos João Paulo II e João XXIII


HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Missa de canonização dos beatos João Paulo II e João XXIII
Domingo, 27 de abril de 2014

No centro deste domingo, que encerra a Oitava de Páscoa e que João Paulo II quis dedicar à Misericórdia Divina, encontramos as chagas gloriosas de Jesus ressuscitado.

Já as mostrara quando apareceu pela primeira vez aos Apóstolos, ao anoitecer do dia depois do sábado, o dia da Ressurreição. Mas, naquela noite, Tomé não estava; e quando os outros lhe disseram que tinham visto o Senhor, respondeu que, se não visse e tocasse aquelas feridas, não acreditaria. Oito dias depois, Jesus apareceu de novo no meio dos discípulos, no Cenáculo, encontrando-se presente também Tomé; dirigindo-Se a ele, convidou-o a tocar as suas chagas. E então aquele homem sincero, aquele homem habituado a verificar tudo pessoalmente, ajoelhou-se diante de Jesus e disse: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).

Se as chagas de Jesus podem ser de escândalo para a fé, são também a verificação da fé. Por isso, no corpo de Cristo ressuscitado, as chagas não desaparecem, continuam, porque aquelas chagas são o sinal permanente do amor de Deus por nós, sendo indispensáveis para crer em Deus: não para crer que Deus existe, mas sim que Deus é amor, misericórdia, fidelidade. Citando Isaías, São Pedro escreve aos cristãos: «pelas suas chagas, fostes curados» (1 Ped 2, 24; cf. Is 53, 5).

João XXIII e João Paulo II tiveram a coragem de contemplar as feridas de Jesus, tocar as suas mãos chagadas e o seu lado trespassado. Não tiveram vergonha da carne de Cristo, não se escandalizaram d’Ele, da sua cruz; não tiveram vergonha da carne do irmão (cf. Is 58, 7), porque em cada pessoa atribulada viam Jesus. Foram dois homens corajosos, cheios da parresia do Espírito Santo, e deram testemunho da bondade de Deus, da sua misericórdia, à Igreja e ao mundo.

Foram sacerdotes, bispos e papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus; mais forte era a fé em Jesus Cristo, Redentor do homem e Senhor da história; mais forte, neles, era a misericórdia de Deus que se manifesta nestas cinco chagas; mais forte era a proximidade materna de Maria.

Nestes dois homens contemplativos das chagas de Cristo e testemunhas da sua misericórdia, habitava «uma esperança viva», juntamente com «uma alegria indescritível e irradiante» (1 Ped 1, 3.8). A esperança e a alegria que Cristo ressuscitado dá aos seus discípulos, e de que nada e ninguém os pode privar. A esperança e a alegria pascais, passadas pelo crisol do despojamento, do aniquilamento, da proximidade aos pecadores levada até ao extremo, até à náusea pela amargura daquele cálice. Estas são a esperança e a alegria que os dois santos Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado, tendo-as, por sua vez, doado em abundância ao Povo de Deus, recebendo sua eterna gratidão.

 Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, de que nos falam os Atos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47). É uma comunidade onde se vive o essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com simplicidade e fraternidade.

E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si. João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e atualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos. Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja. Na convocação do Concílio, João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado. Este foi o seu grande serviço à Igreja; foi o Papa da docilidade ao Espírito.

Neste serviço ao Povo de Deus, João Paulo II foi o Papa da família. Ele mesmo disse uma vez que assim gostaria de ser lembrado: como o Papa da família. Apraz-me sublinhá-lo no momento em que estamos a viver um caminho sinodal sobre a família e com as famílias, um caminho que ele seguramente acompanha e sustenta do Céu.

Que estes dois novos santos Pastores do Povo de Deus intercedam pela Igreja para que, durante estes dois anos de caminho sinodal, seja dócil ao Espírito Santo no serviço pastoral à família. Que ambos nos ensinem a não nos escandalizarmos das chagas de Cristo, a penetrarmos no mistério da misericórdia divina que sempre espera, sempre perdoa, porque sempre ama.

domingo, 6 de abril de 2014

Evangelii Gaudium - Nona Parte


Primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco

Evangelii Gaudium

(Nona Parte)

 

Capítulo I

A TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA

5. Uma mãe de coração aberto

 

46. A Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido. Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como o pai do filho pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar, poder entrar sem dificuldade.

 

47. A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas. Assim, se alguém quiser seguir uma moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza duma porta fechada. Mas há outras portas que também não se devem fechar: todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a «porta»: o Batismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. Estas convicções têm também consequências pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa.

 

48. Se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há de chegar a todos, sem exceção. Mas, a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir» (Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho», e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!

 

49. Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37).

segunda-feira, 31 de março de 2014

Deus nos perdoa sempre – “volte para casa” - Homilia Papa Francisco - 28-03-2014


Deus nos perdoa sempre – “volte para casa”
Homilia do Papa Francisco
28 de março de 2014
«Se quiseres conhecer a ternura de um pai dirige-te a Deus: experimenta e depois conta-me!». Foi o conselho espiritual que o Papa Francisco sugeriu na missa celebrada na manhã de sexta-feira, 28 de Março, na capela da Casa de Santa Marta. Por muitos pecados que possamos ter cometido, afirmou o Pontífice, Deus espera-nos sempre e está pronto a acolher-nos e a festejar conosco e por nós. Porque é um Pai que nunca se cansa de perdoar e não considera se no final o «balanço» é negativo: Deus sabe amar sem medidas.
Esta atitude, explicou o Papa, está bem descrita na primeira leitura da liturgia, tirada do livro do profeta Oseias (14, 2-10). «Só com esta palavra podemos passar tantas horas em oração» afirmou o Pontífice, fazendo notar como «Deus nunca se cansa», nunca: vemos isto em «tantos séculos» e «com tantas apostasias do povo». Não obstante, «ele volta sempre, porque o nosso Deus é um Deus que espera». E assim também «Adão saiu do paraíso com uma pena e também com uma promessa. E o Senhor é fiel à sua promessa porque não pode renegar-se a si mesmo: é fiel!». E, a propósito, o Papa convidou a contemplar «aquele lindo ícone do pai e do filho pródigo».
A parábola de Jesus faz-nos compreender quem «é o nosso pai: o Deus que nos espera sempre». Alguém poderia dizer: «Mas, padre, eu tenho tantos pecados, não sei se ele está contente!». A resposta do Papa é: «Experimenta! Se quiseres conhecer a ternura deste Pai, vai ter com ele! Depois contar-me-ás!». Porque «o Deus que nos espera é também o Deus que perdoa: o Deus da misericórdia». E «não se cansa de perdoar; somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Mas ele não se cansa: setenta vezes sete! Sempre! Em frente com o perdão!».
Certamente, prosseguiu o Papa, «do ponto de vista de uma empresa o balanço é negativo, não há dúvida! Ele perde sempre, perde no balanço das coisas. Mas vence no amor porque Ele – podemos dizê-lo – é o primeiro que cumpre o mandamento do amor: ele ama, só sabe amar!», como recorda o trecho evangélico da liturgia do dia (Marcos 12, 28-34).
É um Deus que nos diz, como se lê no livro de Oseias: «Eu curar-te-ei porque a minha ira se afastou de ti!» Assim fala Deus: «Eu chamo-te para te curar!». A ponto que, explicou o Pontífice, «os milagres que Jesus fazia com tantos doentes eram também um sinal do grande milagre que todos os dias o Senhor faz connosco, quando temos a coragem de nos erguermos e de irmos ter com ele».
O Deus que espera e perdoa é também «o Deus que festeja». Mas não organizando um banquete, como «o do homem rico que tinha à porta o pobre Lázaro. Não, esta festa não lhe agrada!», afirmou o Santo Padre. Ao contrário Deus prepara «outro banquete, como o pai do filho pródigo». No texto de Oseias, explicou, Deus diz-nos que «também tu florescerás como o lírio». É a sua promessa: far-te-á festa. A ponto que «os teus rebentos se espalharão, e terás a beleza da oliveira e ao perfume do Líbano».
O Papa Francisco concluiu a sua meditação reafirmando que «a vida de cada pessoa, de cada homem e mulher que tem a coragem de se aproximar do Senhor, encontrará a alegria da festa de Deus». Eis então os votos finais: «Que esta palavra nos ajude a pensar no nosso Pai, o Pai que nos espera sempre, que nos perdoa sempre e que festeja quando nós voltamos!».

quarta-feira, 26 de março de 2014

Seguir a Estrela e ter fé


“Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado assim como toda a cidade de Jerusalém.
Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”.  Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. Depois os enviou a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo”.
Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino.  Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande.
Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra.
Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.”
                                                                                       Mt 2,1-12
Muitas vezes, nós estabelecemos uma meta para a nossa vida, com a certeza de que é o melhor para nós.  Em muitos casos, até mesmo a perseguimos, porque a meta é resultado de nossas orações, de nossa aliança com Deus.
Ao persegui-la, descobrimos que devemos mudar, porque o caminho para alcançá-la se mostrou duro demais (apesar de nossa resiliência, de nosso esforço).  Este é o momento de frustração, de baixa autoestima, de desespero, até mesmo de desapontamento com Deus: lutamos tanto, rezamos, “seguimos a estrela” até as últimas consequências... e, não conseguimos.  Segui a Estrela, caminhei sem cansar, venci minhas dificuldades de saúde, ultrapassei meus limites de competência, mas não consigo!  Não devemos nos autoflagelar por termos este sentimento; ele é absolutamente humano.
É o momento de parar e refletir: Senhor, aonde está o Menino?  
Nestes momentos, aparece o Herodes, que sempre quer nos tentar, seja porque nos oferece algo que parece melhor (o poder, o dinheiro, a glória), seja simplesmente para nos afastar da Estrela.  Também não devemos nos sentir culpados: o demônio está aí, ele existe, ele é a “sombra” que tenta nos fazer reagir pelo ímpeto do desespero.
Insistamos... Perguntemos: Senhor, aonde está o Menino?
Deus sempre tem um plano mais inteligente, mais eficaz, mais adequado a nós mesmos.  
Nem sempre este plano nos parece eficiente.  Quando reencontramos a Estrela, indicando um caminho diferente, nos perguntamos “Senhor, então, por quê eu tinha que passar pelo outro caminho?  Não era muito mais fácil se a Estrela me tivesse guiado pelo caminho mais curto, para que eu não tivesse que passar pelo sofrimento, pela luta, pelo desapontamento, pelos desafios da falta de saúde, pela sensação de que sou fraco e não sou capaz de caminhar sozinho?”  
De fato, alcançar a meta é importante, mas mais importante é o caminho: alcançar a meta nos faz sentir fortes, mas é o caminho que fortifica.  E, somente Deus sabe aonde está a Estrela e o melhor caminho para cada um de nós.  É a nossa prova de fé de que Ele vai mostrar o caminho até o Menino e que, ao vê-Lo, vamos sentir sua presença plena, pelo sacrifício que fizemos para encontrá-Lo.
“Senhor, aonde está o Menino?”
Fazer-nos esta pergunta não significa que não sejamos capazes de encontrá-Lo.  Significa colocar nossa competência, nossa saúde, nossos empreendimentos, nosso tempo e nossas frustrações ao inteiro serviço de Deus, com a fé de que Ele sempre quer caminhar conosco e com a certeza de que a meta, afinal, é Ele mesmo.

terça-feira, 25 de março de 2014

Exortação Apostólica do Papa Francisco - Evangelii Gaudium - Oitava Parte



Primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco
Evangelii Gaudium
(Oitava Parte)
Capítulo I


A TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA

 

4. A missão que se encarna nas limitações humanas

 

40. A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento da sua missão de Magistério». Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das quais se indaga e reflete com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho.

 

41. Ao mesmo tempo, as enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade; é que, no depósito da doutrina cristã, «uma coisa é a substância (...) e outra é a formulação que a reveste». Por vezes, mesmo ouvindo uma linguagem totalmente ortodoxa, aquilo que os fiéis recebem, devido à linguagem que eles mesmos utilizam e compreendem, é algo que não corresponde ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Com a santa intenção de lhes comunicar a verdade sobre Deus e o ser humano, nalgumas ocasiões, damos-lhes um falso deus ou um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Deste modo, somos fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância. Este é o risco mais grave. Lembremo-nos de que «a expressão da verdade pode ser multiforme. E a renovação das formas de expressão torna-se necessária para transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no seu significado imutável».

 

42. Isto possui uma grande relevância no anúncio do Evangelho, se levamos verdadeiramente a sério fazer perceber melhor a sua beleza e fazê-la acolher por todos. Em todo o caso, não poderemos jamais tornar os ensinamentos da Igreja uma realidade facilmente compreensível e felizmente apreciada por todos; a fé conserva sempre um aspecto de cruz, certa obscuridade que não tira firmeza à sua adesão. Há coisas que se compreendem e apreciam só a partir desta adesão que é irmã do amor, para além da clareza com que se possam compreender as razões e os argumentos. Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho.

 

43. No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo e pelos Apóstolos ao povo de Deus «são pouquíssimos». E, citando Santo Agostinho, observava que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se devem exigir com moderação, «para não tornar pesada a vida aos fiéis» nem transformar a nossa religião numa escravidão, quando «a misericórdia de Deus quis que fosse livre». Esta advertência, feita há vários séculos, tem uma atualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios a considerar, quando se pensa numa reforma da Igreja e da sua pregação que permita realmente chegar a todos.

 

44. Aliás, tanto os Pastores como todos os fiéis que acompanham os seus irmãos na fé ou num caminho de abertura a Deus não podem esquecer aquilo que ensina, com muita clareza, o Catecismo da Igreja Católica: «A imputabilidade e responsabilidade de um ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou sociais».

Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas.

45. Vemos assim que o compromisso evangelizador se move por entre as limitações da linguagem e das circunstâncias. Procura comunicar cada vez melhor a verdade do Evangelho num contexto determinado, sem renunciar à verdade, ao bem e à luz que pode dar quando a perfeição não é possível. Um coração missionário está consciente destas limitações, fazendo-se «fraco com os fracos (...) e tudo para todos» (1 Cor 9, 22). Nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto-defensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.