Primeira
Exortação Apostólica do Papa Francisco
Evangelii
Gaudium
(Quinta
Parte)
Capítulo I: A
TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA
19.
A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: «Ide, pois, fazei
discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28,
19-20). Nestes versículos, aparece o momento em que o Ressuscitado envia os
seus a pregar o Evangelho em todos os tempos e lugares, para que a fé n’Ele se
estenda a todos os cantos da terra.
1.
Uma Igreja «em saída»
20.
Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída», que Deus
quer provocar nos crentes. Abraão aceitou a chamada para partir rumo a uma nova
terra (cf. Gn 12, 1-3). Moisés ouviu a chamada de Deus: «Vai; Eu te envio» (Ex
3, 10), e fez sair o povo para a terra prometida (cf. Ex 3, 17). A Jeremias
disse: «Irás aonde Eu te enviar» (Jr 1, 7). Naquele «ide» de Jesus, estão
presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da
Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada
cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe
pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria
comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz
do Evangelho.
21.
A alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma
alegria missionária. Experimentam-na os setenta e dois discípulos, que voltam
da missão cheios de alegria (cf. Lc 10, 17). Vive-a Jesus, que exulta de
alegria no Espírito Santo e louva o Pai, porque a sua revelação chega aos
pobres e aos pequeninos (cf. Lc 10, 21). Sentem-na, cheios de admiração, os
primeiros que se convertem no Pentecostes, ao ouvir «cada um na sua própria
língua» (Act 2, 6) a pregação dos Apóstolos. Esta alegria é um sinal de que o
Evangelho foi anunciado e está a frutificar. Mas contém sempre a dinâmica do
êxodo e do dom, de sair de si mesmo, de caminhar e de semear sempre de novo,
sempre mais além. O Senhor diz: «Vamos para outra parte, para as aldeias
vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim» (Mc 1, 38). Ele,
depois de lançar a semente num lugar, não se demora lá a explicar melhor ou a
cumprir novos sinais, mas o Espírito leva-O a partir para outras aldeias.
22.
A Palavra possui, em si mesma, uma tal potencialidade, que não a podemos
prever. O Evangelho fala da semente que, uma vez lançada à terra, cresce por si
mesma, inclusive quando o agricultor dorme (cf. Mc 4, 26-29). A Igreja deve
aceitar esta liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob
formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões
e quebrando os nossos esquemas.
23.
A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão
«reveste essencialmente a forma de comunhão missionária». Fiel ao modelo do
Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em
todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem
medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém;
assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: «Não temais, pois
anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo» (Lc 2, 10). O
Apocalipse fala de «uma Boa-Nova de valor eterno para anunciar aos habitantes
da terra: a todas as nações, tribos, línguas e povos» (Ap 14, 6).
«Primeirear»,
envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar
24.
A Igreja «em saída» é a comunidade de discípulos missionários que
«primeireiam», que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam.
Primeireiam – desculpai o neologismo –, tomam a iniciativa! A comunidade
missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor
(cf. 1 Jo 4, 10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa
sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos
caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inexaurível de oferecer
misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua
força difusiva. Ousemos um pouco mais no tomar a iniciativa! Como consequência,
a Igreja sabe «envolver-se». Jesus lavou os pés aos seus discípulos. O Senhor
envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para os
lavar; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: «Sereis felizes se o puserdes em
prática» (Jo 13, 17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na
vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário –
até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no
povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro de ovelha», e estas escutam a
sua voz. Em seguida, a comunidade evangelizadora dispõe-se a «acompanhar».
Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados
que sejam. Conhece as longas esperas e a "suportação" apostólica. A evangelização
patenteia muita paciência, e evita deter-se a considerar as limitações. Fiel ao
dom do Senhor, sabe também «frutificar». A comunidade evangelizadora mantém-se
atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecundar. Cuida do trigo e não perde a
paz por causa do joio. O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo,
não tem reações lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a
Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de
serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos. O discípulo sabe oferecer a
vida inteira e jogá-la até ao martírio como testemunho de Jesus Cristo, mas o
seu sonho não é estar cheio de inimigos, mas antes que a Palavra seja acolhida
e manifeste a sua força libertadora e renovadora. Por fim, a comunidade
evangelizadora jubilosa sabe sempre «festejar»: celebra e festeja cada pequena
vitória, cada passo em frente na evangelização. No meio desta exigência diária
de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A
Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração
da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário