Primeira
Exortação Apostólica do Papa Francisco - Evangelii
Gaudium
(Sexta
Parte)
Capítulo I: A
TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA
2.
Pastoral em conversão
25.
Não ignoro que hoje os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras
épocas, acabando rapidamente esquecidos. Apesar disso sublinho que, aquilo que
pretendo deixar expresso aqui, possui um significado programático e tem
consequências importantes. Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar
os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos
serve uma «simples administração». Constituamo-nos em «estado permanente de
missão», em todas as regiões da terra.
26.
Paulo VI convidou a alargar o apelo à renovação de modo que ressalte, com
força, que não se dirige apenas aos indivíduos, mas à Igreja inteira. Lembremos
este texto memorável, que não perdeu a sua força interpeladora: «A Igreja deve
aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério
(...). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um
desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e
amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5, 27), com o rosto real
que a Igreja apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade
generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que
aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao
espelho do modelo que Cristo nos deixou de Si mesmo».
O
Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma
reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: «Toda a renovação
da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação. (…)
A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição
humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma». Há
estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador;
de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima,
sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem
«fidelidade da Igreja à própria vocação», toda e qualquer nova estrutura se
corrompe em pouco tempo.
Uma
renovação eclesial inadiável
27.
Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os
costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se
tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à
auto-preservação. A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só
se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais
missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais
comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de
«saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus
oferece a sua amizade. Como dizia João Paulo II aos Bispos da Oceania, «toda a
renovação na Igreja há-de ter como alvo a missão, para não cair vítima duma
espécie de introversão eclesial».
28.
A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande
plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e
a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja
certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e
adaptar constantemente, continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio das
casas dos seus filhos e das suas filhas». Isto supõe que esteja realmente em
contacto com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura
complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si
mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da
Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade
generosa, a adoração e a celebração. Através de todas as suas atividades, a
paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização.
É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para
continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém,
de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu
suficientemente fruto, tornando-se ainda mais próximas das pessoas, sendo
âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-se completamente para a
missão.
29.
As outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades,
movimentos e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o
Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente
trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que
renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contacto com esta realidade
muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral
orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma
parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes.
30.
Cada Igreja particular, porção da Igreja Católica sob a guia do seu Bispo,
está, também ela, chamada à conversão missionária. Ela é o sujeito primário da
evangelização, enquanto é a manifestação concreta da única Igreja num lugar da
terra e, nela, «está verdadeiramente presente e opera a Igreja de Cristo, una,
santa, católica e apostólica». É a Igreja encarnada num espaço concreto, dotada
de todos os meios de salvação dados por Cristo, mas com um rosto local. A sua
alegria de comunicar Jesus Cristo exprime-se tanto na sua preocupação por
anunciá-Lo noutros lugares mais necessitados, como numa constante saída para as
periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais. Procura
estar sempre onde fazem mais falta a luz e a vida do Ressuscitado. Para que este
impulso missionário seja cada vez mais intenso, generoso e fecundo, exorto
também cada uma das Igrejas particulares a entrar decididamente num processo de
discernimento, purificação e reforma.
31.
O Bispo deve favorecer sempre a comunhão missionária na sua Igreja diocesana,
seguindo o ideal das primeiras comunidades cristãs, em que os crentes tinham um
só coração e uma só alma (cf. Act 4, 32) . Para isso, às vezes pôr-se-á à
frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo, outras vezes
manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua proximidade simples e
misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para
ajudar aqueles que se atrasaram e sobretudo porque o próprio rebanho possui o
olfato para encontrar novas estradas. Na sua missão de promover uma comunhão
dinâmica, aberta e missionária, deverá estimular e procurar o amadurecimento
dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico e de
outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de ouvir a todos, e não apenas
alguns sempre prontos a lisonjeá-lo. Mas o objetivo destes processos
participativos não há-de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho
missionário de chegar a todos.
32.
Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também
numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às
sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao
significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da
evangelização. O Papa João Paulo II pediu que o ajudassem a encontrar «uma
forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é
essencial da sua missão, se abra a uma situação nova». Pouco temos avançado
neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da Igreja universal
precisam ouvir este apelo a uma conversão pastoral. O Concílio Vaticano II
afirmou que, à semelhança das antigas Igrejas patriarcais, as conferências
episcopais podem «aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o
sentimento colegial leve a aplicações concretas». Mas este desejo não se
realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um
estatuto das conferências episcopais que as considere como sujeitos de
atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal. Uma
centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e a sua
dinâmica missionária.
33.
A pastoral missionária exige o abandono deste comodo critério pastoral: «fez-se
sempre assim». Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de
repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das
respectivas comunidades. Uma identificação dos fins, sem uma condigna busca
comunitária dos meios para os alcançar, está condenada a traduzir-se em mera
fantasia. A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as
orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Importante é não
caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os irmãos e, de modo especial, a guia
dos Bispos, num discernimento pastoral sábio e realista.
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