segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Servindo aos Liderados!


Servindo aos Liderados!

Retirado do livro: “A Mística da Visita aos Pobres”, Conf. Carlos Henrique David, Coleção Vicentina, #38

 

Em todas as organizações modernas, espera-se que o líder tenha uma postura de serviço e não de autoridade. Esta exigência deve ser redobrada na Sociedade de São Vicente de Paulo.

Em muitas oportunidades da minha vida vicentina me faço uma pergunta: qual seria a análise que Frederico Ozanam e seus amigos fariam da Sociedade de São Vicente de Paulo nos dias de hoje?

A grande Rede de Caridade sonhada por ele hoje é realidade. Cresceu, multiplicou-se, renovou-se sem perder seu Espírito Primitivo. Quando imaginamos que a Sociedade de São Vicente de Paulo teve início com sete pessoas e hoje conta com mais de 600 mil membros, imaginamos que o próprio confrade Frederico Ozanam sentiria que foi necessário criar uma maior e melhor estrutura para manter esta Rede de Caridade unida, organizada e fiel a seus princípios.

Na Sociedade de São Vicente de Paulo, no Brasil, o crescimento foi maior que em qualquer outro País e isto fez com que construíssemos uma estrutura organizacional própria e única no mundo todo. Administrar e coordenar cerca de 250 mil membros, 17 mil Conferências, cerca de 2.500 Conselhos e mais de 1.200 Obras Unidas não seria tão simples como orientar um trabalho com sete pessoas conforme o início da Sociedade de São Vicente de Paulo. Mas temos que ter sempre uma questão em nossas mentes: todo este crescimento, de pessoas e estrutura, não muda a função dos Líderes na Sociedade de São Vicente de Paulo.

Todos aqueles que são chamados e dão o seu sim para presidir ou colaborar na diretoria de uma Unidade Vicentina assumem com isto uma grande e nobre missão. Além de continuar com seu trabalho caritativo na Conferência e o que é o mais importante de toda a nossa missão, assumimos um compromisso de coordenar, animar e promover o trabalho da Sociedade de São Vicente de Paulo.

 

Liderança nos dias de hoje

 

Não tenho a intenção em ocupar muito espaço para falar sobre esse tema, a liderança. Farei apenas algumas considerações próprias à Sociedade de São Vicente de Paulo. Podemos encontrar muitas matérias que falam e explicam sobre aspectos técnicos no exercício da liderança. Este assunto, hoje, encontra-se em vários livros e cursos dirigidos a empresas, organizações governamentais e não-governamentais e em quase todos os grupos e organizações de nossa sociedade.

Interessante, porém, que em muitos livros se tem usado exemplos da liderança de Cristo e de outros santos de nossa Igreja. Muitas receitas e orientações básicas e fáceis de serem explicadas.

Uma das dificuldades que encontramos hoje em todas as associações ou grupos de trabalhos é a falta de compreensão de que o líder não pode sentir-se acima dos seus liderados; o líder não é melhor do que o grupo que lidera. Ele coordena um grupo e para este grupo deve dedicar-se. Os objetivos do grupo serão buscados por todos os integrantes, tendo na liderança seu condutor, seu orientador e, num enfoque mais profundo, seu principal servidor.

Porém, em muitos grupos e organizações o que vemos são líderes mais preocupados em aparecer, tornar-se os mais importantes. Querem a todo custo ser conhecidos e reconhecidos como os melhores. “Dê poder a uma pessoa e você a conhecerá”.

Vemos muitas pessoas que mudam completamente de atitude e de comportamento após assumirem a liderança de algum serviço. Sentem-se importantes e começam a agir de forma bem diferente do que eram antes de ocupar um cargo. Para eles, liderar um grupo não é ser um servidor de seus liderados, mas, sim, uma oportunidade de aparecer e conquistar os elogios das pessoas, sentindo-se o mais importante dos homens.

Pena que esta prática ocorre também em grupos religiosos e, no nosso caso, em muitas lideranças de Unidades Vicentinas. Misturam o conceito de servir a seu grupo, a seus liderados, com o conceito de servir a seus próprios interesses. Faltou-lhes preparo para ocupar um cargo de liderança numa comunidade de irmãos. Confundiu a Sociedade de São Vicente de Paulo com um trampolim para chegar ao topo que sua vaidade humana sempre sonhou.

 

Liderança na Sociedade de São Vicente de Paulo

Conforme dissemos acima, o mais importante trabalho de um confrade ou consócia é o que realiza nas suas experiências caritativas, que são vividas plenamente em sua Conferência. É na Conferência que encontramos fonte de ensinamento para nossa caminhada de construção do Reino de Deus. É nela que encontramos a fonte para perseverarmos em nossa Vocação Vicentina.

Entretanto, com o crescimento da Sociedade de São Vicente de Paulo, necessitamos de pessoas boas e preparadas para presidirem e dirigir nossas Unidades. Muitos Conselhos e Conferências existem e, se não tivermos lideranças para assumi-las, poderão ter que ser fechadas. Não é esta a intenção de ninguém. Presidentes de Conselhos, Obras ou Conferências apenas se dispuseram a algo a mais pela Sociedade de São Vicente de Paulo. Em momento algum deveriam sentir-se mais importantes que os outros por ocupar algum encargo vicentino.

Quando exerci a missão de presidente nacional da Sociedade de São Vicente de Paulo pude perceber de perto como existem vicentinos que têm uma visão errada de nossas lideranças. Acham que eles são mais importantes que os demais.

Quantos vicentinos me cumprimentaram de uma forma “seca” e após alguma pessoa, ao seu lado, dizer “este é o presidente nacional” eles voltaram, pediram desculpas e cumprimentaram novamente, agora com mais entusiasmo e com certa deferência... Quer dizer, por ser o presidente merecia outro tipo de cumprimento? E depois que acabou meu mandato? Como passei a ser cumprimentado?

Caras amigas e amigos, cito isto para ilustrar que mesmo entre os liderados existe certa confusão sobre a maneira certa de liderar. Muito por culpa dos líderes que cultivaram esta ideia por muito tempo em nosso meio.

A liderança Vicentina precisa ser aquela que busca incansavelmente liderar como Jesus liderou. Não precisava usar armas, seja arma de fogo ou a arma da vaidade do poder para falar e agir por seus liderados. A palavra do Amor imperava em suas relações. Viveu, pregou e liderou sem exigir nada em troca. Sabia que Judas o trairia, sabia que Pedro o negaria... Mas ele não mudava sua forma de liderar. Liderava por amor. Não queria o retorno de seus liderados por exigência de sua força e poder, mas sim pela vivência de respeito e amor entre eles.

São Vicente de Paulo e Frederico Ozanam viveram também esta experiência. Sabiam de sua capacidade de liderar, mas nunca usaram suas funções para se destacarem individualmente. Construíram relações que os tornaram líderes naturalmente.

Frederico Ozanam nunca ocupou a função de presidente na Sociedade de São Vicente de Paulo, mas nem por isto deixou de ser reconhecido como o principal fundador de nossa associação.

A Sociedade de São Vicente de Paulo precisa cada vez mais de verdadeiros líderes. Mulheres e homens que querem se doar por um ideal. Pessoas que querem seguir a Cristo e para isto dedicam-se à causa vicentina. Sabem que com seu trabalho e testemunho poderão colaborar muito na salvação de outras pessoas.

 

Conselhos para Lideranças Vicentinas

 

Longe de mim querer demonstrar que sou melhor liderança que outros confrades ou consócias. Pelo contrário, bem sei de tantas e tantas limitações que tenho. Mas a experiência que a Sociedade de São Vicente de Paulo possibilitou me dá segurança para arriscar algumas orientações para nossas lideranças e também para nossos vicentinos, para que possam cobrar seus líderes quando necessário.

A experiência como coordenador de Comissão de Jovens em quase todos os serviços da Sociedade de São Vicente de Paulo, presidência de um Conselho Metropolitano e depois do Conselho Nacional me oferece segurança para apresentar-lhes algumas dicas e sugestões:

 

1. Pelo tamanho de nossa Sociedade de São Vicente de Paulo, temos uma estrutura grande e muitas vezes difícil de ser entendida e vivida por nossos membros. O líder precisa colocar esta estrutura a serviço de seus membros. O fato de existir os Conselhos em vários níveis é a pura manifestação de que eles devem ser como que fonte de busca de apoio e orientação aos confrades e consócias. Temos uma estrutura para facilitar nossa organização e administração. Todos os líderes dos Conselhos Centrais, Metropolitanos, Nacional e Internacional devem estar a serviço de seus membros, ou seja, de todos os vicentinos.

 

2. Os dirigentes vicentinos, estando a serviço de seus confrades e consócias, precisam sempre orientar para que haja um bom trabalho vicentino de seus liderados. Ter membros focados em nosso carisma e realizadores exemplares de sua missão é o sonho de todo líder. Esta é a grande missão do dirigente. Sabemos que implementar aspectos tais como aqueles empreendidos pela construção civil, construir ou ampliar sede, reformar banheiros etc... ou ainda o acúmulo de um caixa “gordo” para seu Conselho ou Obra não é sinal de sucesso de administração vicentina. O que pesará para um líder será a certeza de que seus liderados não perderam o foco de seu carisma. Vivenciam em plenitude sua vocação vicentina.

 

3. A liderança precisa estar aberta às críticas. Coitado do líder que imagina que sempre está com a razão. Minha experiência deixa claro que ter apenas “bajuladores” ao redor do presidente não permite que corrija os erros de sua gestão. Quando não demonstramos abertura para que pessoas bem intencionadas se aproximem para externar suas críticas passamos a trabalhar envolvidos pela falsa esperança de que tudo que parte de mim é acertado e o melhor para a Sociedade de São Vicente de Paulo. Presidimos um Conselho que é composto por várias pessoas e dar abertura para que elas participem verdadeiramente da condução e execução dos trabalhos é ser fiel à responsabilidade de nosso encargo.

 

4. Saber usar toda a estrutura de nossa diretoria é prenúncio de uma boa gestão. Além dos membros da diretoria tradicional, vices, secretários e tesoureiros, que devem ter funções ativas na vida do Conselho, nossos departamentos, Comissão de Jovens, Coordenadores de ECAFO, Conferência de Crianças e Adolescentes e Comunicação, são importantes aliados para um trabalho em equipe e mais bem organizado e estruturado. No caso específico de nossas ECAFOs precisamos dar-lhes estrutura e condições para colaborar na formação de líderes. Eles possuem importantes ferramentas que serão primordiais nesta preparação. A Sociedade de São Vicente de Paulo precisa preocupar-se sempre em preparar, formar e orientar novos líderes, para que tenhamos um presente e futuro mais tranquilos em nossa organização.

 

5. Não existe um bom líder vicentino sem a humildade. A liderança precisa se colocar como inferior aos seus liderados. São Paulo nos diz: “Não façam nada por competição e por desejo de receber elogios, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada um procure não o próprio interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo”[1].

 

Caros confrades e consócias, temos uma Associação que cresceu e perseverou há quase dois séculos. Isto é sinal da presença do Espírito Santo em nosso meio. Precisamos, porém, trabalhar por uma Sociedade de São Vicente de Paulo cada vez mais organizada e mais santa.

Precisamos, para isto, de lideranças verdadeiramente voltadas para nosso Espírito e dispostas a construir o Reino de Deus a partir do aqui e do agora. Ajudemos nossos líderes rezando por eles e orientando-os a caminhar de uma forma serena e santa.

Encerro pedindo para todos os líderes de nossa Sociedade de São Vicente de Paulo o que pedi para mim durante os quatro anos à frente do Conselho Nacional: “Senhor, peço-lhe: sabedoria, serenidade, santidade e humildade em toda a minha caminhada como dirigente”.




[1] Fl 2, 3-5.

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