Ozanam:
uma vida consistente de Liderança Mística
Retirado do
Livro “Liderança Mística”
Confrade Eduardo
Marques
Liderança
Mística pode ser definida como: "o processo de persuasão ou exemplo em
que, movido por um conjunto de virtudes, um indivíduo - ou um grupo - induz uma
audiência a servir uma Visão e uma Missão comuns que acreditam ser resultado do
plano de Deus para eles".
Para
o líder místico, há dois conjuntos de virtudes fundamentais: as virtudes
cardeais - prudência, justiça, temperança e fortaleza - e as teologais - fé, esperança
e caridade.
O
líder vicentino pode ser definido como um líder místico com o carisma de São
Vicente de Paulo e de seus seguidores, ou seja, possui duas
particularidades. Primeiramente, assume
para si a missão do serviço direto e pessoal ao Pobre. Em segundo lugar, o seu “combustível” é o conjunto
de virtudes chamadas “vicentinas” - simplicidade, humildade, mortificação,
mansidão e zelo – além das virtudes cardeais e teologais.
Frederico
Ozanam que, além de ser fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo, foi um
famoso sociólogo e filósofo do século XIX, é um bom exemplo desta definição e
do seguimento das cinco virtudes vicentinas.
Primeiro,
Frederico Ozanam, era um intelectual com uma Missão muito clara: convencer as
pessoas a seguir o Evangelho. Uma de suas principais qualidades era a busca da
verdade e do uso de sua profissão para espalhá-la por todos os lugares aonde ia
(a virtude da simplicidade de São Vicente de Paulo). Ele falou em nome
dos Pobres e da Igreja, e gerou várias mudanças sociais no âmbito global. Por
exemplo, ele criou as "Conferências de História", que reunia jovens
intelectuais da França em sua época (1830) para discutir a necessidade de
transformações sociais e para defender a Igreja. Seu trabalho acadêmico gerou algumas das mais
importantes políticas sociais dos nossos dias, bem como, contribuiu para a famosa encíclica
Rerum Novarum do Papa Leão XIII.
Segundo,
Frederico Ozanam tinha uma Visão: envolver o mundo inteiro em uma rede de
caridade. Sua motivação era transformar corações, por meio do serviço direto e
íntimo aos Pobres. As suas “Conferências de História” se transformaram nas
"Conferências de Caridade", que mais tarde passaram a se chamar
“Conferências de São Vicente de Paulo”, levando à gênese da atual Sociedade de
São Vicente de Paulo, um grande sucesso empreendedor, com suas centenas de
milhares de membros em uma centena e meia de países. Importante
definir, as Conferências são pequenos grupos de voluntários - amigos na ação e
na oração -, que em busca de sua santidade, visitam frequentemente os
assistidos em seu domicílio, empenhados em dar-lhes dignidade. Esta definição é
importante, para que não nos esqueçamos de suas origens, do espírito primitivo.
Ozanam se dedicava de corpo e alma a
divulgar este fogo: a vocação da transformação do coração, ou seja, da
santificação, através do serviço ao pobre.
Era incansável: um exemplo da virtude do zelo.
Em
terceiro lugar, Frederico Ozanam era humilde. Era um homem de oração e intimidade com Deus:
apresentava todos as enormes qualidades que tinha, como dons de Deus. Um exemplo de sua humilde espiritualidade é o fato de
que rezava sempre antes de cada aula ministrada na Sorbonne: tudo era oferecido
como louvor a Deus, nunca como seu mérito pessoal.
Em
quarto lugar, apesar de ser um intelectual brilhante, nunca se mostrava
arrogante, mas, ao contrário, expressava mansidão em suas aulas, suas
cartas, seus poemas. Ao receber a
provocação do jovem sansimoniano*, que perguntou o que os membros das
Conferencias de História faziam de prático sobre o que pregavam, Ozanam poderia
ter respondido com ira, “colocando o provocador no seu devido lugar”, como se diz
coloquialmente. Ao invés disso, assumiu
mansamente a provocação como uma mensagem divina da correção do rumo das
Conferencias de Historia e lançou a famosa frase: “vamos aos pobres”. Uma provocação reagida com mansidão pode se
transformar em um milagre da formação de um exército de servidores dos
pobres.
Finalmente,
a virtude da mortificação. Existe
no museu Ozanam em Paris, um quadro com a decoração da casa da família Ozanam:
um exemplo de indiferença aos bens materiais.
Um professor catedrático da Sorbonne, com poucos móveis simples, em uma
casa pequena. Ozanam era um exemplo do
que São Paulo chamava de "despir-se do homem velho, para se revestir do homem
novo" (Cl 3, 9-10).
Existem
algumas discussões sobre a justa dedicação da fundação da Sociedade de São
Vicente de Paulo. A família de Bailly, o primeiro presidente da Conferencia,
por exemplo, até hoje, questiona a razão da beatificação de Ozanam, como o
único fundador.
É
necessário colocar a betificação de Ozanam em perspectiva. Sim, é verdade que ela se deve em muito à
fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo que, inclusive, em si mesma,
seria um milagre. Mas a beatificação de
Ozanam é um resultado de ser ele um modelo de um filho de Deus que se fez santo por ser
consistente: ele realmente vivia o que pregava e seguia o plano que achava ser
definido por Deus para ele. Frederico Ozanam aprendia de seu serviço ao Pobre e
daí projetou suas políticas sociais transformadoras, em sua atividade de
filósofo, sociólogo e professor. De
fato, quando foi candidato a deputado, em 1848, em sua campanha, inovou com a
proposta de um sistema fiscal que pudesse distribuir a renda (fórmula utilizada
nos dias de hoje). De seus momentos de
oração e contemplação, retirava o enorme valor que dava à sua família, aos seus
amigos, aos membros da Sociedade de São Vicente de Paulo. Sua relação com Deus fazia com que seus
sofrimentos pudessem servir de evangelização aos outros, como se apresenta em
seu famoso “Livro dos Enfermos”, publicado faz pouco tempo pelo Conselho Geral
Internacional da SSVP.
Não
podemos dissociar o professor Ozanam, empreendedor social e formulador de
políticas sociais, do Frederico que visitava os assistidos e o Santíssimo
Sacramento no altar. Esta consistência da mente e do espírito é o que é exigido
de um líder místico.
O
mundo está impregnado do que o Papa Benedito XVI chamou da “ditadura do
relativismo”: tudo é relativo, tudo se pode, a ética é uma questão de
interpretação. Imagine se cada um de
nós, vicentinos, pudermos maximizar a consistência de Ozanam em nossas vidas,
em nosso dia-a-dia, evangelizando através do exemplo, defendendo a verdade
única que aprendemos da relação com Deus e com o que empreendemos junto aos
nossos próximos, em especial aos Pobres!
Se formos, cada um, um líder místico, como Ozanam foi, estaremos dando
uma enorme contribuição à formação do verdadeiro Reino de Deus.
* Sansimonianos eram os seguidores de Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (Paris, 17/10/1760 a 19/05/1825), que foi precursor da «fisiologia social», também chamada da «física social», e rebatizada por Auguste Comte como sociologia. Eram ateus.
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