segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ozanam: uma vida consistente de Liderança Mística


Ozanam: uma vida consistente de Liderança Mística

Retirado do Livro “Liderança Mística”
                                                                Confrade Eduardo Marques

 

Liderança Mística pode ser definida como: "o processo de persuasão ou exemplo em que, movido por um conjunto de virtudes, um indivíduo - ou um grupo - induz uma audiência a servir uma Visão e uma Missão comuns que acreditam ser resultado do plano de Deus para eles".

Para o líder místico, há dois conjuntos de virtudes fundamentais: as virtudes cardeais - prudência, justiça, temperança e fortaleza - e as teologais - fé, esperança e caridade.

O líder vicentino pode ser definido como um líder místico com o carisma de São Vicente de Paulo e de seus seguidores, ou seja, possui duas particularidades.  Primeiramente, assume para si a missão do serviço direto e pessoal ao Pobre.  Em segundo lugar, o seu “combustível” é o conjunto de virtudes chamadas “vicentinas” - simplicidade, humildade, mortificação, mansidão e zelo – além das virtudes cardeais e teologais. 

Frederico Ozanam que, além de ser fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo, foi um famoso sociólogo e filósofo do século XIX, é um bom exemplo desta definição e do seguimento das cinco virtudes vicentinas. 

Primeiro, Frederico Ozanam, era um intelectual com uma Missão muito clara: convencer as pessoas a seguir o Evangelho. Uma de suas principais qualidades era a busca da verdade e do uso de sua profissão para espalhá-la por todos os lugares aonde ia (a virtude da simplicidade de São Vicente de Paulo). Ele falou em nome dos Pobres e da Igreja, e gerou várias mudanças sociais no âmbito global. Por exemplo, ele criou as "Conferências de História", que reunia jovens intelectuais da França em sua época (1830) para discutir a necessidade de transformações sociais e para defender a Igreja.  Seu trabalho acadêmico gerou algumas das mais importantes políticas sociais dos nossos dias, bem como, contribuiu para a famosa encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII.

Segundo, Frederico Ozanam tinha uma Visão: envolver o mundo inteiro em uma rede de caridade. Sua motivação era transformar corações, por meio do serviço direto e íntimo aos Pobres. As suas “Conferências de História” se transformaram nas "Conferências de Caridade", que mais tarde passaram a se chamar “Conferências de São Vicente de Paulo”, levando à gênese da atual Sociedade de São Vicente de Paulo, um grande sucesso empreendedor, com suas centenas de milhares de membros em uma centena e meia de países.  Importante definir, as Conferências são pequenos grupos de voluntários - amigos na ação e na oração -, que em busca de sua santidade, visitam frequentemente os assistidos em seu domicílio, empenhados em dar-lhes dignidade. Esta definição é importante, para que não nos esqueçamos de suas origens, do espírito primitivo.   Ozanam se dedicava de corpo e alma a divulgar este fogo: a vocação da transformação do coração, ou seja, da santificação, através do serviço ao pobre.  Era incansável: um exemplo da virtude do zelo.

Em terceiro lugar, Frederico Ozanam era humilde.  Era um homem de oração e intimidade com Deus: apresentava todos as enormes qualidades que tinha, como dons de Deus.  Um exemplo de sua humilde espiritualidade é o fato de que rezava sempre antes de cada aula ministrada na Sorbonne: tudo era oferecido como louvor a Deus, nunca como seu mérito pessoal.

Em quarto lugar, apesar de ser um intelectual brilhante, nunca se mostrava arrogante, mas, ao contrário, expressava mansidão em suas aulas, suas cartas, seus poemas.  Ao receber a provocação do jovem sansimoniano*, que perguntou o que os membros das Conferencias de História faziam de prático sobre o que pregavam, Ozanam poderia ter respondido com ira, “colocando o provocador no seu devido lugar”, como se diz coloquialmente.  Ao invés disso, assumiu mansamente a provocação como uma mensagem divina da correção do rumo das Conferencias de Historia e lançou a famosa frase: “vamos aos pobres”.  Uma provocação reagida com mansidão pode se transformar em um milagre da formação de um exército de servidores dos pobres. 

Finalmente, a virtude da mortificação.  Existe no museu Ozanam em Paris, um quadro com a decoração da casa da família Ozanam: um exemplo de indiferença aos bens materiais.  Um professor catedrático da Sorbonne, com poucos móveis simples, em uma casa pequena.  Ozanam era um exemplo do que São Paulo chamava de "despir-se do homem velho, para se revestir do homem novo" (Cl 3, 9-10).

Existem algumas discussões sobre a justa dedicação da fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo.  A família de Bailly, o primeiro presidente da Conferencia, por exemplo, até hoje, questiona a razão da beatificação de Ozanam, como o único fundador. 

É necessário colocar a betificação de Ozanam em perspectiva.  Sim, é verdade que ela se deve em muito à fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo que, inclusive, em si mesma, seria um milagre.  Mas a beatificação de Ozanam é um resultado de ser ele um modelo de um filho de Deus que se fez santo por ser consistente: ele realmente vivia o que pregava e seguia o plano que achava ser definido por Deus para ele. Frederico Ozanam aprendia de seu serviço ao Pobre e daí projetou suas políticas sociais transformadoras, em sua atividade de filósofo, sociólogo e professor.  De fato, quando foi candidato a deputado, em 1848, em sua campanha, inovou com a proposta de um sistema fiscal que pudesse distribuir a renda (fórmula utilizada nos dias de hoje).  De seus momentos de oração e contemplação, retirava o enorme valor que dava à sua família, aos seus amigos, aos membros da Sociedade de São Vicente de Paulo.  Sua relação com Deus fazia com que seus sofrimentos pudessem servir de evangelização aos outros, como se apresenta em seu famoso “Livro dos Enfermos”, publicado faz pouco tempo pelo Conselho Geral Internacional da SSVP. 

Não podemos dissociar o professor Ozanam, empreendedor social e formulador de políticas sociais, do Frederico que visitava os assistidos e o Santíssimo Sacramento no altar. Esta consistência da mente e do espírito é o que é exigido de um líder místico.

O mundo está impregnado do que o Papa Benedito XVI chamou da “ditadura do relativismo”: tudo é relativo, tudo se pode, a ética é uma questão de interpretação.  Imagine se cada um de nós, vicentinos, pudermos maximizar a consistência de Ozanam em nossas vidas, em nosso dia-a-dia, evangelizando através do exemplo, defendendo a verdade única que aprendemos da relação com Deus e com o que empreendemos junto aos nossos próximos, em especial aos Pobres!  Se formos, cada um, um líder místico, como Ozanam foi, estaremos dando uma enorme contribuição à formação do verdadeiro Reino de Deus.

* Sansimonianos eram os seguidores de Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (Paris, 17/10/1760 a 19/05/1825), que foi precursor da «fisiologia social», também chamada da «física social», e rebatizada por Auguste Comte como sociologia.  Eram ateus.

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