Servindo
aos Liderados!
Retirado do livro: “A Mística da Visita aos Pobres”, Conf.
Carlos Henrique David, Coleção Vicentina, #38
Em todas
as organizações modernas, espera-se que o líder tenha uma postura de serviço e
não de autoridade. Esta exigência deve ser redobrada na Sociedade de São
Vicente de Paulo.
Em muitas
oportunidades da minha vida vicentina me faço uma pergunta: qual seria a
análise que Frederico Ozanam e seus amigos fariam da Sociedade de São Vicente
de Paulo nos dias de hoje?
A grande
Rede de Caridade sonhada por ele hoje é realidade. Cresceu, multiplicou-se,
renovou-se sem perder seu Espírito Primitivo. Quando imaginamos que a Sociedade
de São Vicente de Paulo teve início com sete pessoas e hoje conta com mais de
600 mil membros, imaginamos que o próprio confrade Frederico Ozanam sentiria
que foi necessário criar uma maior e melhor estrutura para manter esta Rede de
Caridade unida, organizada e fiel a seus princípios.
Na
Sociedade de São Vicente de Paulo, no Brasil, o crescimento foi maior que em
qualquer outro País e isto fez com que construíssemos uma estrutura
organizacional própria e única no mundo todo. Administrar e coordenar cerca de
250 mil membros, 17 mil Conferências, cerca de 2.500 Conselhos e mais de 1.200
Obras Unidas não seria tão simples como orientar um trabalho com sete pessoas
conforme o início da Sociedade de São Vicente de Paulo. Mas temos que ter
sempre uma questão em nossas mentes: todo este crescimento, de pessoas e
estrutura, não muda a função dos Líderes na Sociedade de São Vicente de Paulo.
Todos
aqueles que são chamados e dão o seu sim para presidir ou colaborar na
diretoria de uma Unidade Vicentina assumem com isto uma grande e nobre missão.
Além de continuar com seu trabalho caritativo na Conferência e o que é o mais
importante de toda a nossa missão, assumimos um compromisso de coordenar,
animar e promover o trabalho da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Liderança nos dias de hoje
Não
tenho a intenção em ocupar muito espaço para falar sobre esse tema, a
liderança. Farei apenas algumas considerações próprias à Sociedade de São
Vicente de Paulo. Podemos encontrar muitas matérias que falam e explicam sobre
aspectos técnicos no exercício da liderança. Este assunto, hoje, encontra-se em
vários livros e cursos dirigidos a empresas, organizações governamentais e
não-governamentais e em quase todos os grupos e organizações de nossa
sociedade.
Interessante,
porém, que em muitos livros se tem usado exemplos da liderança de Cristo e de
outros santos de nossa Igreja. Muitas receitas e orientações básicas e fáceis
de serem explicadas.
Uma das
dificuldades que encontramos hoje em todas as associações ou grupos de
trabalhos é a falta de compreensão de que o líder não pode sentir-se acima dos
seus liderados; o líder
não é melhor do que o grupo que lidera. Ele coordena um grupo e para este grupo
deve dedicar-se. Os objetivos do grupo serão buscados por todos os integrantes,
tendo na liderança seu condutor, seu orientador e, num enfoque mais profundo,
seu principal servidor.
Porém,
em muitos grupos e organizações o que vemos são líderes mais preocupados em
aparecer, tornar-se os mais importantes. Querem a todo custo ser conhecidos e
reconhecidos como os melhores. “Dê poder a uma pessoa e você a conhecerá”.
Vemos
muitas pessoas que mudam completamente de atitude e de comportamento após
assumirem a liderança de algum serviço. Sentem-se importantes e começam a agir
de forma bem diferente do que eram antes de ocupar um cargo. Para eles, liderar
um grupo não é ser um servidor de seus liderados, mas, sim, uma oportunidade de
aparecer e conquistar os elogios das pessoas, sentindo-se o mais importante dos
homens.
Pena que
esta prática ocorre também em grupos religiosos e, no nosso caso, em muitas
lideranças de Unidades Vicentinas. Misturam o conceito de servir a seu grupo, a
seus liderados, com o conceito de servir a seus próprios interesses.
Faltou-lhes preparo para ocupar um cargo de liderança numa comunidade de
irmãos. Confundiu a Sociedade de São Vicente de Paulo com um trampolim para
chegar ao topo que sua vaidade humana sempre sonhou.
Liderança
na Sociedade de São Vicente de Paulo
Conforme
dissemos acima, o mais importante trabalho de um confrade ou consócia é o que
realiza nas suas experiências caritativas, que são vividas plenamente em sua Conferência.
É na Conferência que encontramos fonte de ensinamento para nossa caminhada de
construção do Reino de Deus. É nela que encontramos a fonte para perseverarmos em nossa Vocação Vicentina.
Entretanto,
com o crescimento da Sociedade de São Vicente de Paulo, necessitamos de pessoas
boas e preparadas para presidirem e dirigir nossas Unidades. Muitos Conselhos e
Conferências existem e, se não tivermos lideranças para assumi-las, poderão ter
que ser fechadas. Não é esta a intenção de ninguém. Presidentes de Conselhos,
Obras ou Conferências apenas se dispuseram a algo a mais pela Sociedade de São
Vicente de Paulo. Em momento algum deveriam sentir-se mais importantes que os
outros por ocupar algum encargo vicentino.
Quando exerci
a missão de presidente nacional da Sociedade de São Vicente de Paulo pude
perceber de perto como existem vicentinos que têm uma visão errada de nossas
lideranças. Acham que eles são mais importantes que os demais.
Quantos
vicentinos me cumprimentaram de uma forma “seca” e após alguma pessoa, ao seu
lado, dizer “este é o presidente nacional” eles voltaram, pediram desculpas e
cumprimentaram novamente, agora com mais entusiasmo e com certa deferência...
Quer dizer, por ser o presidente merecia outro tipo de cumprimento? E depois
que acabou meu mandato? Como passei a ser cumprimentado?
Caras amigas e amigos, cito isto para ilustrar que mesmo
entre os liderados existe certa confusão sobre a maneira certa de liderar.
Muito por culpa dos líderes que cultivaram esta ideia por muito tempo em nosso
meio.
A
liderança Vicentina precisa ser aquela que busca incansavelmente liderar como
Jesus liderou. Não precisava usar armas, seja arma de fogo ou a arma da vaidade
do poder para falar e agir por seus liderados. A palavra do Amor imperava em
suas relações. Viveu, pregou e liderou sem exigir nada em troca. Sabia que
Judas o trairia, sabia que Pedro o negaria... Mas ele não mudava sua forma de
liderar. Liderava por amor. Não queria o retorno de seus liderados por exigência
de sua força e poder, mas sim pela vivência de respeito e amor entre eles.
São
Vicente de Paulo e Frederico Ozanam viveram também esta experiência. Sabiam de
sua capacidade de liderar, mas nunca usaram suas funções para se destacarem
individualmente. Construíram relações que os tornaram líderes naturalmente.
Frederico
Ozanam nunca ocupou a função de presidente na Sociedade de São Vicente de
Paulo, mas nem por isto deixou de ser reconhecido como o principal fundador de
nossa associação.
A
Sociedade de São Vicente de Paulo precisa cada vez mais de verdadeiros líderes.
Mulheres e homens que querem se doar por um ideal. Pessoas que querem seguir a
Cristo e para isto dedicam-se à causa vicentina. Sabem que com seu trabalho e
testemunho poderão colaborar muito na salvação de outras pessoas.
Conselhos para Lideranças Vicentinas
Longe de
mim querer demonstrar que sou melhor liderança que outros confrades ou
consócias. Pelo contrário, bem sei de tantas e tantas limitações que tenho. Mas
a experiência que a Sociedade de São Vicente de Paulo possibilitou me dá
segurança para arriscar algumas orientações para nossas lideranças e também
para nossos vicentinos, para que possam cobrar seus líderes quando necessário.
A
experiência como coordenador de Comissão de Jovens em quase todos os serviços
da Sociedade de São Vicente de Paulo, presidência de um Conselho Metropolitano
e depois do Conselho Nacional me oferece segurança para apresentar-lhes algumas
dicas e sugestões:
1. Pelo tamanho de
nossa Sociedade de São Vicente de Paulo, temos uma estrutura grande e muitas
vezes difícil de ser entendida e vivida por nossos membros. O líder precisa
colocar esta estrutura a serviço de seus membros. O fato de existir os
Conselhos em vários níveis é a pura manifestação de que eles devem ser como que
fonte de busca de apoio e orientação aos confrades e consócias. Temos uma
estrutura para facilitar nossa organização e administração. Todos os líderes
dos Conselhos Centrais, Metropolitanos, Nacional e Internacional devem estar a
serviço de seus membros, ou seja, de todos os vicentinos.
2. Os dirigentes
vicentinos, estando a serviço de seus confrades e consócias, precisam sempre
orientar para que haja um bom trabalho vicentino de seus liderados. Ter membros
focados em nosso carisma e realizadores exemplares de sua missão é o sonho de
todo líder. Esta é a grande missão do dirigente. Sabemos que implementar
aspectos tais como aqueles empreendidos pela construção civil, construir ou
ampliar sede, reformar banheiros etc... ou ainda o acúmulo de um caixa “gordo”
para seu Conselho ou Obra não é sinal de sucesso de administração vicentina. O
que pesará para um líder será a certeza de que seus liderados não perderam o
foco de seu carisma. Vivenciam em plenitude sua vocação vicentina.
3. A liderança precisa estar aberta às críticas. Coitado do
líder que imagina que sempre está com a razão. Minha experiência deixa claro
que ter apenas “bajuladores” ao redor do presidente não permite que corrija os
erros de sua gestão. Quando não demonstramos abertura para que pessoas bem
intencionadas se aproximem para externar suas críticas passamos a trabalhar
envolvidos pela falsa esperança de que tudo que parte de mim é acertado e o
melhor para a Sociedade de São Vicente de Paulo. Presidimos um Conselho que é
composto por várias pessoas e dar abertura para que elas participem
verdadeiramente da condução e execução dos trabalhos é ser fiel à
responsabilidade de nosso encargo.
4. Saber usar toda
a estrutura de nossa diretoria é prenúncio de uma boa gestão. Além dos membros
da diretoria tradicional, vices, secretários e tesoureiros, que devem ter
funções ativas na vida do Conselho, nossos departamentos, Comissão de Jovens,
Coordenadores de ECAFO, Conferência de Crianças e Adolescentes e Comunicação,
são importantes aliados para um trabalho em equipe e mais bem organizado e
estruturado. No caso específico de nossas ECAFOs precisamos dar-lhes estrutura
e condições para colaborar na formação de líderes. Eles possuem importantes
ferramentas que serão primordiais nesta preparação. A Sociedade de São Vicente
de Paulo precisa preocupar-se sempre em preparar, formar e orientar novos
líderes, para que tenhamos um presente e futuro mais tranquilos em nossa
organização.
5. Não existe um
bom líder vicentino sem a humildade. A liderança precisa se colocar como
inferior aos seus liderados. São Paulo nos diz: “Não façam nada por competição
e por desejo de receber elogios, mas por humildade, cada um considerando os
outros superiores a si mesmo. Que cada um procure não o próprio interesse, mas
o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em
Jesus Cristo”.
Caros
confrades e consócias, temos uma Associação que cresceu e perseverou há quase
dois séculos. Isto é sinal da presença do Espírito Santo em nosso meio.
Precisamos, porém, trabalhar por uma Sociedade de São Vicente de Paulo cada vez
mais organizada e mais santa.
Precisamos,
para isto, de lideranças verdadeiramente voltadas para nosso Espírito e
dispostas a construir o Reino de Deus a partir do aqui e do agora. Ajudemos
nossos líderes rezando por eles e orientando-os a caminhar de uma forma serena
e santa.
Encerro
pedindo para todos os líderes de nossa Sociedade de São Vicente de Paulo o que
pedi para mim durante os quatro anos à frente do Conselho Nacional: “Senhor,
peço-lhe: sabedoria, serenidade, santidade e humildade em toda a minha
caminhada como dirigente”.