domingo, 6 de outubro de 2013

A virtude da MORTIFICAÇÃO segundo São Vicente de Paulo


A virtude da MORTIFICAÇÃO segundo São Vicente de Paulo

(retirado do livro “Liderança Mística”, a ser publicado em novembro de 2013)

 

Para São Vicente de Paulo, a mortificação significa controlar os sentidos, as paixões e as emoções, não permitindo que elas prejudiquem o alcance racional de nossa missão no mundo. Em certo sentido, significa manter-se enfocado nos resultados e decidir de acordo com a razão.

 

A mortificação, portanto, traduz-se na prática da “desconexão” de si mesmo para bem compreender a vontade de Deus, através da contemplação na ação, ou seja, a escuta do plano de Deus, através dos fatos da vida.  Para isso, é necessária a mortificação aos pré-conceitos e aos interesses pessoais: é como “despir-se do homem velho, para revestir-se do homem novo” (Cl 3, 9-10).

 

Vicente de Paulo dá também a perspectiva à mortificação como “desconexão do mundo”, mas em nome de Cristo: “Senhores, mantenhamos este exemplo diante de nossos olhos. Nunca percamos de vista a mortificação de nosso Senhor, considerando que, para segui-lo, somos obrigados a mortificar a nós mesmos. Modelemos nossas afeições às Suas: que os seus passos sejam os guias para os nossos, no caminho da perfeição. Os santos são santos porque caminham em seus passos, renunciam-se a si mesmos e mortificam-se em todas as coisas” .

 

Em outras palavras, quando fazemos silêncio como resposta a uma provocação maledicente, quando não damos valor excessivo às coisas materiais, quando negamos os sentidos interiores e exteriores ou as paixões da alma, o fazemos por causa de Cristo.

De fato, como São Vicente de Paulo ensinou às Filhas da Caridade, mortificação e oração caminham juntas: “Oração e mortificação são duas irmãs que são tão unidas que uma nunca será encontrada sem a outra. A mortificação vai primeiro e a oração a segue, de forma que, minhas caras irmãs, se vocês desejam se tornar filhas da oração, como deveriam, aprendam a mortificarem a si mesmas”.

 

Mortificação não é autoflagelação. A mortificação é uma expressão da vontade sana de desconexão do mundo e dos prazeres, para refletir e agir de forma mais produtiva e enfocada. A autoflagelação pode ser uma busca insana de oportunidades para sofrer e mostrar a nós mesmos - e aos outros - que estamos sofrendo.

 

O Pe. Robert Maloney CM, ex-superior geral da Congregação da Missão, propõe algumas formas práticas para exercitar a mortificação:

 

1. Equilibrar nossos valores - fazer escolhas.

Isto significa renunciar uma coisa para fazer ou ter outra melhor. Por exemplo, renunciar ao excesso de bebida, para o benefício da saúde espiritual, mental e física.

 

2. Estar pronto(a) para responder à vontade de Deus, particularmente, aceitando tarefas difíceis.

Frequentemente, responder a desafios faz-nos descobrir capacidades e recursos que temos e que nunca nos tínhamos dado conta, sendo, portanto, uma prática saudável para a nossa maturação.

 

3. Trabalhar arduamente e dedicar tempo generosamente, como bons servidores fazem.

Por exemplo, aceitando afazeres simples para o bem comum, ou usando nosso tempo de forma generosa, para servir aos outros.

 

4. Acordar cedo para rezar.

É importante rezar de forma disciplinada, estabelecer um tempo específico para a oração diariamente e criar o hábito da meditação.

 

5. Ser resiliente. Ou seja, enfocar nas metas estabelecidas com disciplina.

Aceitar frustrações conosco mesmos, quando não somos capazes de fazer as coisas como planejamos.  Michelangelo fez inúmeras tentativas não utilizadas da Pietá, antes de finalizar a famosa escultura, como conhecemos hoje.

Aceitar frustrações com os outros - como, por exemplo, oposição ou não reconhecimento.  

 

6. Ser fiel às responsabilidades quando conflitam com o prazer.

Optar pelas atividades relacionadas às responsabilidades de nossa situação profissional, social ou familiar, no lugar de coisas que levam a retornos imediatos do lazer, pode ser uma vivência de mortificação, especialmente no mundo em que vivemos hoje, que privilegia o prazer a todo o custo.

 

7. Ser restrito na aquisição ou aceitação de bens materiais.

Ter um estilo de vida simples, sem exageros na busca de roupas, dinheiro ou outros bens materiais, mas possuí-los sem ser “escravos” deles é viver a mortificação.   Como diz São Paulo: “os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não usassem. Porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7,29-31).

 

8. Não dar valor a privilégios especiais.

Manter-se no limite do que é normal e fora das exceções é uma virtude que demonstra elevada autoestima.

 

9. Evitar palavras de crítica destrutiva ou que gerem divisões entre pessoas de nosso ambiente.

Este hábito pode ser uma tremenda ajuda não só ao nosso crescimento dentro da mortificação, como também à caridade. São Bento dizia que o murmúrio era o grande vício dos mosteiros. Vicente de Paulo percebia o mesmo perigo.

É uma norma saudável conter críticas, a menos que elas possam ser proferidas de forma positiva, dentro da simplicidade vicentina, aos que as podem utilizar para seu próprio desenvolvimento como pessoas.

 

10. Dar atenção aos que necessitam dela.

Normalmente, buscamos estar com quem tem poder, gloria ou dinheiro: estas pessoas são mais interessantes e estão sempre na moda. Dedicar tempo àquelas pessoas que nos dão menos prazer porque são marginalizadas em nossos ambientes de trabalho e lazer é uma prática da caridade e da mortificação.

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