A virtude da MORTIFICAÇÃO segundo São Vicente de Paulo
(retirado
do livro “Liderança Mística”, a ser publicado em novembro de 2013)
Para
São Vicente de Paulo, a mortificação significa controlar os sentidos, as
paixões e as emoções, não permitindo que elas prejudiquem o alcance racional de
nossa missão no mundo. Em certo sentido, significa manter-se enfocado nos resultados
e decidir de acordo com a razão.
A
mortificação, portanto, traduz-se na prática da “desconexão” de si mesmo para
bem compreender a vontade de Deus, através da contemplação na ação, ou seja, a
escuta do plano de Deus, através dos fatos da vida. Para isso, é necessária a mortificação aos
pré-conceitos e aos interesses pessoais: é como “despir-se do homem velho, para
revestir-se do homem novo” (Cl 3, 9-10).
Vicente
de Paulo dá também a perspectiva à mortificação como “desconexão do mundo”, mas
em nome de Cristo: “Senhores, mantenhamos este exemplo diante de nossos olhos.
Nunca percamos de vista a mortificação de nosso Senhor, considerando que, para
segui-lo, somos obrigados a mortificar a nós mesmos. Modelemos nossas afeições
às Suas: que os seus passos sejam os guias para os nossos, no caminho da
perfeição. Os santos são santos porque caminham em seus passos, renunciam-se a
si mesmos e mortificam-se em todas as coisas” .
Em
outras palavras, quando fazemos silêncio como resposta a uma provocação maledicente,
quando não damos valor excessivo às coisas materiais, quando negamos os
sentidos interiores e exteriores ou as paixões da alma, o fazemos por causa de
Cristo.
De
fato, como São Vicente de Paulo ensinou às Filhas da Caridade, mortificação e
oração caminham juntas: “Oração e mortificação são duas irmãs que são tão
unidas que uma nunca será encontrada sem a outra. A mortificação vai primeiro e
a oração a segue, de forma que, minhas caras irmãs, se vocês desejam se tornar
filhas da oração, como deveriam, aprendam a mortificarem a si mesmas”.
Mortificação
não é autoflagelação. A mortificação é uma expressão da vontade sana de
desconexão do mundo e dos prazeres, para refletir e agir de forma mais
produtiva e enfocada. A autoflagelação pode ser uma busca insana de
oportunidades para sofrer e mostrar a nós mesmos - e aos outros - que estamos
sofrendo.
O
Pe. Robert Maloney CM, ex-superior geral da Congregação da Missão, propõe
algumas formas práticas para exercitar a mortificação:
1.
Equilibrar nossos valores - fazer escolhas.
Isto
significa renunciar uma coisa para fazer ou ter outra melhor. Por exemplo,
renunciar ao excesso de bebida, para o benefício da saúde espiritual, mental e
física.
2.
Estar pronto(a) para responder à vontade de Deus, particularmente, aceitando
tarefas difíceis.
Frequentemente,
responder a desafios faz-nos descobrir capacidades e recursos que temos e que
nunca nos tínhamos dado conta, sendo, portanto, uma prática saudável para a
nossa maturação.
3.
Trabalhar arduamente e dedicar tempo generosamente, como bons servidores fazem.
Por
exemplo, aceitando afazeres simples para o bem comum, ou usando nosso tempo de
forma generosa, para servir aos outros.
4.
Acordar cedo para rezar.
É
importante rezar de forma disciplinada, estabelecer um tempo específico para a
oração diariamente e criar o hábito da meditação.
5.
Ser resiliente. Ou seja, enfocar nas metas estabelecidas com disciplina.
Aceitar
frustrações conosco mesmos, quando não somos capazes de fazer as coisas como
planejamos. Michelangelo fez inúmeras
tentativas não utilizadas da Pietá, antes de finalizar a famosa escultura, como
conhecemos hoje.
Aceitar
frustrações com os outros - como, por exemplo, oposição ou não reconhecimento.
6.
Ser fiel às responsabilidades quando conflitam com o prazer.
Optar
pelas atividades relacionadas às responsabilidades de nossa situação
profissional, social ou familiar, no lugar de coisas que levam a retornos
imediatos do lazer, pode ser uma vivência de mortificação, especialmente no
mundo em que vivemos hoje, que privilegia o prazer a todo o custo.
7.
Ser restrito na aquisição ou aceitação de bens materiais.
Ter
um estilo de vida simples, sem exageros na busca de roupas, dinheiro ou outros
bens materiais, mas possuí-los sem ser “escravos” deles é viver a mortificação.
Como diz São Paulo: “os que choram,
como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que
compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se dele não
usassem. Porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7,29-31).
8.
Não dar valor a privilégios especiais.
Manter-se
no limite do que é normal e fora das exceções é uma virtude que demonstra
elevada autoestima.
9.
Evitar palavras de crítica destrutiva ou que gerem divisões entre pessoas de
nosso ambiente.
Este
hábito pode ser uma tremenda ajuda não só ao nosso crescimento dentro da
mortificação, como também à caridade. São Bento dizia que o murmúrio era o
grande vício dos mosteiros. Vicente de Paulo percebia o mesmo perigo.
É
uma norma saudável conter críticas, a menos que elas possam ser proferidas de
forma positiva, dentro da simplicidade vicentina, aos que as podem utilizar
para seu próprio desenvolvimento como pessoas.
10.
Dar atenção aos que necessitam dela.
Normalmente,
buscamos estar com quem tem poder, gloria ou dinheiro: estas pessoas são mais
interessantes e estão sempre na moda. Dedicar tempo àquelas pessoas que nos dão
menos prazer porque são marginalizadas em nossos ambientes de trabalho e lazer
é uma prática da caridade e da mortificação.
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