Primeira
Exortação Apostólica de Papa Francisco
Evangelii
Gaudium
(Teirceira
Parte)
2. A doce e reconfortante alegria de evangelizar
9. O
bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de
beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma
libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos
outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem
deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão
reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender
frases de São Paulo como estas: «O amor de Cristo nos absorve completamente» (2
Cor 5, 14); «ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
10.
A proposta é viver a um nível superior, mas não com menor intensidade: «Na
doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De
fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e
se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais». Quando a Igreja faz
apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o
verdadeiro dinamismo da realização pessoal: «Aqui descobrimos outra profunda
lei da realidade: “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para
dar vida aos outros”. Isto é, definitivamente, a missão». Consequentemente, um
evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e
aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de
evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo
do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a
Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados,
impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie
fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo».
Uma
eterna novidade.
11.
Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes,
uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na realidade, o seu
centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor
imenso em Cristo morto e ressuscitado. Ele torna os seus fiéis sempre novos;
ainda que sejam idosos, «renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm
sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). Cristo é a «Boa-Nova de
valor eterno» (Ap 14, 6), sendo «o mesmo ontem, hoje e pelos séculos» (Heb 13,
8), mas a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis. Ele é sempre jovem, e
fonte de constante novidade. A Igreja não cessa de se maravilhar com a
«profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência de Deus» (Rm 11, 33). São
João da Cruz dizia: «Esta espessura de sabedoria e ciência de Deus é tão
profunda e imensa, que, por mais que a alma saiba dela, sempre pode penetrá-la
mais profundamente». Ou ainda, como afirmava Santo Ireneu: «Na sua vinda,
[Cristo] trouxe consigo toda a novidade». Com a sua novidade, Ele pode sempre
renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que
atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus
Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos
aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre
que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam
novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais
eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo actual. Na
realidade, toda a acção evangelizadora autêntica é sempre «nova».
12.
Embora esta missão nos exija uma entrega generosa, seria um erro considerá-la
como uma heróica tarefa pessoal, dado que ela é, primariamente e acima de tudo
o que possamos sondar e compreender, obra de Deus. Jesus é «o primeiro e o
maior evangelizador». Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de
Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-nos com a força do
seu Espírito. A verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente
quer produzir, aquela que Ele inspira, aquela que Ele provoca, aquela que Ele
orienta e acompanha de mil e uma maneiras. Em toda a vida da Igreja, deve-se
sempre manifestar que a iniciativa pertence a Deus, «porque Ele nos amou
primeiro» (1 Jo 4, 19) e é «só Deus que faz crescer» (1 Cor 3, 7). Esta
convicção permite-nos manter a alegria no meio duma tarefa tão exigente e
desafiadora que ocupa inteiramente a nossa vida. Pede-nos tudo, mas ao mesmo
tempo dá-nos tudo.
13.
E também não deveremos entender a novidade desta missão como um
desenraizamento, como um esquecimento da história viva que nos acolhe e impele
para diante. A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a
memória de Israel, poderíamos chamar «deuteronómica». Jesus deixa-nos a
Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na
Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o
horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir. Os
Apóstolos nunca mais esqueceram o momento em que Jesus lhes tocou o coração:
«Eram as quatro horas da tarde» (Jo 1, 39). A memória faz-nos presente,
juntamente com Jesus, uma verdadeira «nuvem de testemunhas» (Heb 12, 1). De
entre elas, distinguem-se algumas pessoas que incidiram de maneira especial
para fazer germinar a nossa alegria crente: «Recordai-vos dos vossos guias, que
vos pregaram a palavra de Deus» (Heb 13, 7). Às vezes, trata-se de pessoas
simples e próximas de nós, que nos iniciaram na vida da fé: «Trago à memória a
tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Lóide e na tua mãe Eunice»
(2 Tm 1, 5). O crente é, fundamentalmente, «uma pessoa que faz memória».
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