segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Homilia Papa Francisco - Missa Novos Cardeais - 23-04-14

SANTA MISSA COM OS NOVOS CARDEAIS
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 23 de Fevereiro de 2014
 
«A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito» (Colecta).
Esta oração, pronunciada no início da Missa, convida-nos a uma atitude fundamental: a escuta do Espírito Santo, que vivifica a Igreja e a anima. Com a sua força criativa e renovadora, o Espírito sustenta sempre a esperança do povo de Deus que caminha na história, e sempre sustenta, como Paráclito, o testemunho dos cristãos. Neste momento, todos nós, juntamente com os novos Cardeais, queremos ouvir a voz do Espírito que nos fala através das Escrituras proclamadas.
Na primeira Leitura, ressoou este apelo do Senhor ao seu povo: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2). E faz-lhe eco, Jesus, no Evangelho: «Haveis, pois, de ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Estas palavras interpelam-nos a todos nós, discípulos do Senhor; e hoje são dirigidas especialmente a mim e a vós, queridos Irmãos Cardeais, de modo particular a vós que ontem começastes a fazer parte do Colégio Cardinalício. Imitar a santidade e a perfeição de Deus pode parecer uma meta inatingível; contudo, a primeira Leitura e o Evangelho sugerem os exemplos concretos para que o comportamento de Deus se torne a regra do nosso agir. Lembremo-nos, porém, todos nós…, lembremo-nos de que o nosso esforço, sem o Espírito Santo, seria vão! A santidade cristã não é, primariamente, obra nossa, mas fruto da docilidade – deliberada e cultivada – ao Espírito do Deus três vezes Santo.
O Levítico diz: «Não odieis um irmão vosso no íntimo do coração (...). Não vos vingueis; não guardeis rancor (...). Amai o vosso próximo» (19, 17-18). Estas atitudes nascem da santidade de Deus. Nós, porém, habitualmente somos tão diferentes, tão egoístas e orgulhosos... e no entanto a bondade e a beleza de Deus atraem-nos, e o Espírito Santo pode purificar-nos, pode transformar-nos, pode moldar-nos dia após dia. Fazer este trabalho de conversão, conversão no coração, conversão que todos nós – especialmente vós, Cardeais, e eu – devemos fazer. Conversão!
No Evangelho, também Jesus nos fala da santidade e explica a nova lei – a sua. Fá-lo através de algumas antíteses entre a justiça imperfeita dos escribas e fariseus e a justiça superior do Reino de Deus. A primeira antítese do texto de hoje tem a ver com a vingança. «Ouvistes que foi dito aos antigos: “Olho por olho e dente por dente”. Pois Eu digo-vos: (...) se alguém te bater na face direita, apresenta-lhe também a outra» (Mt 5, 38-39). Não só não devemos restituir ao outro o mal que nos fez, mas havemos também de esforçar-nos por fazer o bem magnanimamente.
A segunda antítese refere-se aos inimigos: «Ouvistes que foi dito: “Hás-de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo”. Pois Eu digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem» (5, 43-44). A quem quer segui-Lo, Jesus pede para amar a pessoa que não o merece, sem retribuição, a fim de preencher as lacunas de amor que há nos corações, nas relações humanas, nas famílias, nas comunidades e no mundo. Irmãos Cardeais, Jesus não veio para nos ensinar as boas maneiras, as cortesias; para isso, não era preciso que descesse do Céu e morresse na cruz. Cristo veio para nos salvar, para nos mostrar o caminho, o único caminho de saída das areias movediças do pecado, e este caminho de santidade é a misericórdia, aquela que Ele usou e usa cada dia connosco. Ser santo não é um luxo, é necessário para a salvação do mundo. Isto é o que o Senhor nos pede.
Queridos Irmãos Cardeais, o Senhor Jesus e a mãe Igreja pedem-nos para testemunharmos, com maior zelo e ardor, estas atitudes de santidade. É precisamente neste suplemento de oblatividade gratuita que consiste a santidade de um Cardeal. Por conseguinte, amemos aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a quem talvez não o mereça; não aspiremos a fazer–nos valer, mas oponhamos a mansidão à prepotência; esqueçamos as humilhações sofridas. Deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de Cristo: Ele sacrificou-Se a Si próprio na cruz, para podermos ser «canais» por onde passa a sua caridade. Este é o comportamento, esta é deve ser a conduta de um Cardeal. O Cardeal – digo-o especialmente a vós – entra na Igreja de Roma, Irmãos, não entra numa corte. Evitemos todos – e ajudemo-nos mutuamente a evitar – hábitos e comportamentos de corte: intrigas, críticas, facções, favoritismos, preferências. A nossa linguagem seja a do Evangelho: «Sim, sim; não, não»; as nossas atitudes, as das bem-aventuranças; e o nosso caminho, o da santidade. Rezemos mais uma vez: «A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito».
O Espírito Santo fala-nos, hoje, também através das palavras de São Paulo: «Sois templo de Deus (…); o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós» (1 Cor 3, 16-17). Neste templo que somos nós, celebra-se uma liturgia existencial: a da bondade, do perdão, do serviço; numa palavra, a liturgia do amor. Este nosso templo fica de certo modo profanado, quando descuidamos os deveres para com o próximo: quando no nosso coração encontra lugar o menor dos nossos irmãos, é o próprio Deus que aí encontra lugar; e, quando se deixa fora aquele irmão, é o próprio Deus que não é acolhido. Um coração vazio de amor é como uma igreja dessacralizada, subtraída ao serviço de Deus e destinada a outro fim.
Queridos Irmãos Cardeais, permaneçamos unidos em Cristo e entre nós! Peço-vos que me acompanheis de perto, com a oração, o conselho, a colaboração. E todos vós, bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e leigos, uni-vos na invocação do Espírito Santo, para que o Colégio dos Cardeais seja cada vez mais inflamado de caridade pastoral, cada vez mais cheio de santidade, para servir o Evangelho e ajudar a Igreja a irradiar pelo mundo o amor de Cristo.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Exortação Apostólica de Papa Francisco - Evangelii Gaudium - Quarta parte

Primeira Exortação Apostólica de Papa Francisco
Evangelii Gaudium
(Quarta Parte)

3. A nova evangelização para a transmissão da fé

14. À escuta do Espírito, que nos ajuda a reconhecer comunitariamente os sinais dos tempos, celebrou-se de 7 a 28 de Outubro de 2012 a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre o tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Lá foi recordado que a nova evangelização interpela a todos, realizando-se fundamentalmente em três âmbitos. Em primeiro lugar, mencionamos o âmbito da pastoral ordinária, «animada pelo fogo do Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a comunidade, reunindo-se no dia do Senhor, para se alimentarem da sua Palavra e do Pão de vida eterna». Devem ser incluídos também neste âmbito os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera, exprimindo-a de diversos modos, embora não participem frequentemente no culto. Esta pastoral está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com toda a sua vida ao amor de Deus.

Em segundo lugar, lembramos o âmbito das «pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências do Batismo», não sentem um pertencimento cordial à Igreja e já não experimentam a consolação da fé. Mãe sempre solícita, a Igreja esforça-se para que elas vivam uma conversão que lhes restitua a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho.

Por fim, frisamos que a evangelização está essencialmente relacionada com a proclamação do Evangelho àqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre O recusaram. Muitos deles buscam secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto, mesmo em países de antiga tradição cristã. Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas «por atração».

15. João Paulo II convidou-nos a reconhecer que «não se pode perder a tensão para o anúncio» àqueles que estão longe de Cristo, «porque esta é a tarefa primária da Igreja». A atividade missionária «ainda hoje representa o máximo desafio para a Igreja» e «a causa missionária deve ser (…) a primeira de todas as causas». Que sucederia se tomássemos realmente a sério estas palavras? Simplesmente reconheceríamos que a ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja. Nesta linha, os Bispos latino-americanos afirmaram que «não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos», sendo necessário passar «de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária». Esta tarefa continua a ser a fonte das maiores alegrias para a Igreja: «Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão» (Lc 15, 7).

A proposta desta Exortação e seus contornos

16. Com prazer, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação. Para o efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo, além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar «descentralização».

17. Aqui escolhi propor algumas diretrizes que possam encorajar e orientar, em toda a Igreja, uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo. Neste quadro e com base na doutrina da Constituição dogmática Lumen Gentium, decidi, entre outros temas, de me deter amplamente sobre as seguintes questões:

a) A reforma da Igreja em saída missionária.
b) As tentações dos agentes pastorais.
c) A Igreja vista como a totalidade do povo de Deus que evangeliza.
d) A homilia e a sua preparação.
e) A inclusão social dos pobres.
f) A paz e o diálogo social.
g) As motivações espirituais para o compromisso missionário.

18. Demorei-me nestes temas, desenvolvendo-os dum modo que talvez possa parecer excessivo. Mas não o fiz com a intenção de oferecer um tratado, mas só para mostrar a relevante incidência prática destes assuntos na missão atual da Igreja. De fato, todos eles ajudam a delinear um preciso estilo evangelizador, que convido a assumir em qualquer atividade que se realize. E, desta forma, podemos assumir, no meio do nosso trabalho diário, esta exortação da Palavra de Deus: «Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo vos digo: alegrai-vos!» (Fl 4, 4).

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Homilia do Papa Francisco de 14 de fevereiro de 2014


Homilia do Papa Francisco de 14 de fevereiro de 2014

Capela de Santa Marta – Vaticano

Caminhar, ir em frente, além dos obstáculos. É esta a atitude justa para o bom cristão porque faz parte da sua identidade. Aliás, um cristão que não caminha, que não vai em frente «está doente na sua identidade». O Papa Francisco – durante a missa celebrada em Santa Marta, na manhã de 14 de fevereiro, voltou a repetir o convite que faz com frequência aos fiéis que encontra: «Em frente, ide em frente».

E fê-lo recordando dois irmãos, padroeiros da Europa, Cirilo e Metódio, dos quais se celebrou neste dia, a memória. Como discípulos, foram enviados ao mundo para levar a mensagem e este seu ir, frisou o Papa, «faz-nos refletir sobre a identidade do discípulo», que é a identidade cristã.

Mas, perguntou o Pontífice, «quem é o cristão?», como se comporta o cristão? E a sua resposta foi: o cristão «é um discípulo. É um discípulo enviado. O Evangelho é claro: o Senhor convidou-os, ide, ide em frente! E isto significa que o cristão é um discípulo do Senhor que caminha, que vai sempre em frente. Não se pode pensar num cristão parado. Um cristão que permanece parado está doente na sua identidade cristã».

Outro aspecto da identidade do cristão é que «deve permanecer sempre cordeiro. Uma antiga antífona pascal faz-nos cantar: “estes são os cordeiros novos, baptizados”». O Papa Francisco referiu-se ao trecho do Evangelho de Lucas acabado de proclamar (10, 1-9) e disse: «O cristão é um cordeiro e deve conservar esta identidade de cordeiro: “eis que eu vos envio como cordeiros entre os lobos”». Por conseguinte, permanecer «cordeiro, não estúpido; mas cordeiro. Cordeiro, com a astúcia cristã, mas sempre cordeiro. Porque se tu és cordeiro Ele defende-te. Mas se te sentes forte como o lobo Ele não te defende, deixa-te sozinho. E os lobos comer-te-ão vivo».

«Qual é – perguntou – o estilo do cristão neste caminhar como cordeiro?». «A alegria», foi a resposta. A alegria é o estilo do cristão. O cristão não pode caminhar sem alegria. Não se pode caminhar como cordeiros sem alegria». Uma atitude que se deve manter sempre, também face aos problemas, nos momentos de dificuldade, até «nos próprios erros e pecados» porque «há a alegria de Jesus que perdoa e ajuda sempre».

Portanto o Evangelho, repetiu o bispo de Roma, deve ser levado ao mundo por estes cordeiros que caminham com alegria. «Não fazem um favor ao Senhor na Igreja – admoestou – aqueles cristãos que têm um tempo de vagar lamentoso, que vivem sempre assim, lamentando-se de tudo, tristes. Não é este o estilo de um discípulo. Santo Agostinho diz: vai, vai em frente, canta e caminha, com alegria! E este é o estilo do cristão: anunciar o Evangelho com alegria». Ao contrário, «a demasiada tristeza e também a amargura levam-nos a viver um chamado cristianismo sem Cristo». O cristão nunca está parado: é um homem, uma mulher que caminha sempre, que supera as dificuldades. E fá-lo com as suas forças e com alegria. «O Senhor – concluiu o Papa – nos conceda a graça de viver como cristãos que caminham como cordeiros e com alegria».

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Homilia da Missa do Papa em Santa Marta - A Santa Paciência

Homilia da Missa do Papa em Santa Marta
Tema: A Santa Paciência
17-02-2014

Há pessoas que sabem sofrer com o sorriso e que conservam «a alegria da fé» não obstante as provas e as doenças. São estas pessoas que «levam em frente a Igreja com a sua santidade de cada dia», até se tornarem autênticos pontos de referência «nas nossas paróquias, nas nossas instituições». Na reflexão do Papa Francisco sobre a «paciência exemplar do povo de Deus», proposta na segunda-feira 17 de Fevereiro durante a missa na Capela da Casa de Santa Marta, há ecos dos encontros de domingo à tarde com a comunidade paroquial da periferia romana do «Infernetto».

«Quando vamos às paróquias – disse o bispo de Roma – encontramos pessoas que sofrem, que têm problemas, que têm um filho deficiente ou doente, mas levam em frente a vida com paciência». São pessoas que não pedem «um milagre» mas vivem com «a paciência de Deus» lendo «os sinais dos tempos». E precisamente deste santo povo de Deus «o mundo é indigno» afirmou o Papa citando expressamente o capítulo 11 da Carta aos Hebreus e afirmando que também «desta gente do nosso povo – gente que sofre, que sofre muitas, muitas coisas mas não perde o sorriso da fé, que têm a alegria da fé – podemos dizer que o mundo não é digno dela: é indigno! O espírito do mundo é indigno desta gente!».

A reflexão do Pontífice sobre o valor da paciência partiu, como é habitual, da liturgia de hoje: os trechos da Carta de Tiago (1, 1-11) e do Evangelho de Marcos (8, 11-13). Quando não há paciência, «esta é uma das tentações: tornar-se caprichosos» como crianças. E outra tentação dos que não têm paciência é a onipotência», contida na pretensão: «Eu quero imediatamente as coisas!». Precisamente a isto se refere o Senhor quando os fariseus lhe pedem «um sinal do céu». Na realidade, frisou o Pontífice, «o que queriam?» Queriam um espectáculo, um milagre». No final de contas, é a mesma tentação que o diabo propõe a Jesus no deserto, pedindo-lhe para fazer «algo – assim todos crêem e esta pedra torna-se pão» - ou que se lance do templo para mostrar o seu poder. «A vida cristã – é a sugestão do Papa – deve desenvolver-se sobre esta música da paciência, porque foi precisamente a música dos nossos pais: o povo de Deus». A música «dos que acreditaram na palavra de Deus, que seguiram o mandamento que o Senhor tinha dado ao nosso pai Abraão: caminha diante de mim e sê irrepreensível!».

Em seguida, o bispo de Roma recordou que são tantas as pessoas que sofrem, e são capazes de levar «em frente com paciência a vida. Não pedem um sinal», como os fariseus, «mas sabem ler os sinais dos tempos». Assim «sabem que quando a figueira floresce está para chegar a primavera». Ao contrário as pessoas «impacientes» apresentadas no Evangelho «queriam um sinal» mas «não sabiam ler os sinais dos tempos. Por isso não reconheceram Jesus». Em conclusão o Papa releu o trecho de são Tiago reproposto também no início da homilia. E pediu ao Senhor que conceda «a todos nós a paciência: a paciência jubilosa, a paciência do trabalho, da paz», doando-nos «a paciência de Deus» e a «paciência do nosso povo fiel que é tão exemplar».

Fonte: www.news.va/pt/sites/homilias

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Exortação Apostólica de Papa Francisco - Evangelii Gaudium - Terceira Parte


Primeira Exortação Apostólica de Papa Francisco

Evangelii Gaudium

(Teirceira Parte)

 

2. A doce e reconfortante alegria de evangelizar

 

9. O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de São Paulo como estas: «O amor de Cristo nos absorve completamente» (2 Cor 5, 14); «ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).

10. A proposta é viver a um nível superior, mas não com menor intensidade: «Na doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais». Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: «Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros”. Isto é, definitivamente, a missão». Consequentemente, um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo».

Uma eterna novidade.

 

11. Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na realidade, o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado. Ele torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, «renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). Cristo é a «Boa-Nova de valor eterno» (Ap 14, 6), sendo «o mesmo ontem, hoje e pelos séculos» (Heb 13, 8), mas a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis. Ele é sempre jovem, e fonte de constante novidade. A Igreja não cessa de se maravilhar com a «profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência de Deus» (Rm 11, 33). São João da Cruz dizia: «Esta espessura de sabedoria e ciência de Deus é tão profunda e imensa, que, por mais que a alma saiba dela, sempre pode penetrá-la mais profundamente». Ou ainda, como afirmava Santo Ireneu: «Na sua vinda, [Cristo] trouxe consigo toda a novidade». Com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo actual. Na realidade, toda a acção evangelizadora autêntica é sempre «nova».

12. Embora esta missão nos exija uma entrega generosa, seria um erro considerá-la como uma heróica tarefa pessoal, dado que ela é, primariamente e acima de tudo o que possamos sondar e compreender, obra de Deus. Jesus é «o primeiro e o maior evangelizador». Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-nos com a força do seu Espírito. A verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente quer produzir, aquela que Ele inspira, aquela que Ele provoca, aquela que Ele orienta e acompanha de mil e uma maneiras. Em toda a vida da Igreja, deve-se sempre manifestar que a iniciativa pertence a Deus, «porque Ele nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19) e é «só Deus que faz crescer» (1 Cor 3, 7). Esta convicção permite-nos manter a alegria no meio duma tarefa tão exigente e desafiadora que ocupa inteiramente a nossa vida. Pede-nos tudo, mas ao mesmo tempo dá-nos tudo.

13. E também não deveremos entender a novidade desta missão como um desenraizamento, como um esquecimento da história viva que nos acolhe e impele para diante. A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, poderíamos chamar «deuteronómica». Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir. Os Apóstolos nunca mais esqueceram o momento em que Jesus lhes tocou o coração: «Eram as quatro horas da tarde» (Jo 1, 39). A memória faz-nos presente, juntamente com Jesus, uma verdadeira «nuvem de testemunhas» (Heb 12, 1). De entre elas, distinguem-se algumas pessoas que incidiram de maneira especial para fazer germinar a nossa alegria crente: «Recordai-vos dos vossos guias, que vos pregaram a palavra de Deus» (Heb 13, 7). Às vezes, trata-se de pessoas simples e próximas de nós, que nos iniciaram na vida da fé: «Trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Lóide e na tua mãe Eunice» (2 Tm 1, 5). O crente é, fundamentalmente, «uma pessoa que faz memória».

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Exortação Apostólica de Papa Francisco - Evangelii Gaudium - Segunda Parte


Primeira Exortação Apostólica de Papa Francisco -  Evangelii Gaudium

(Segunda Parte)


4. Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se ao Messias esperado, saudando-O com regozijo: «Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo com cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara no horizonte, o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9). A criação inteira participa nesta alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13).

Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega «humilde, montado num jumento»: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso» (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este texto: «O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (3, 17).É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê, trata-te bem (...). Não te prives da felicidade presente» (Sir 14, 11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras!

5. O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria. Apenas alguns exemplos: «Alegra-te» é a saudação do anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico, Maria proclama: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 47). E, quando Jesus começa o seu ministério, João exclama: «Esta é a minha alegria! E tornou-se completa!» (Jo 3, 29). O próprio Jesus «estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo» (Lc 10, 21). A sua mensagem é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). A nossa alegria cristã brota da fonte do seu coração transbordante. Ele promete aos seus discípulos: «Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20). E insiste: «Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22). Depois, ao verem-No ressuscitado, «encheram-se de alegria» (Jo 20, 20). O livro dos Actos dos Apóstolos conta que, na primitiva comunidade, «tomavam o alimento com alegria» (2, 46). Por onde passaram os discípulos, «houve grande alegria» (8, 8); e eles, no meio da perseguição, «estavam cheios de alegria» (13, 52). Um eunuco, recém-baptizado, «seguiu o seu caminho cheio de alegria» (8, 39); e o carcereiro «entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus» (16, 34). Porque não havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?

6. Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias: «A paz foi desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém, guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é grande a tua fidelidade. (...) Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Lm 3, 17.21-23.26).

7. A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e queixas, como se tivesse de haver inúmeras condições para ser possível a alegria. Habitualmente isto acontece, porque «a sociedade técnica teve a possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela encontra dificuldades grandes no engendrar também a alegria». Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas muito pobres que têm pouco a que se agarrar. Recordo também a alegria genuína daqueles que, mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam conservar um coração crente, generoso e simples. De várias maneiras, estas alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o de Deus, a nós manifestado em Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».

8. Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da auto-referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?
Fonte: www.news.va/pt/sites/homilias

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Exortação Apostólica de Papa Francisco: Evangelii Gaudium


Primeira Exortação Apostólica de Papa Francisco (primeira parte)

Evangelii Gaudium


1. A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.

 
1. Alegria que se renova e comunica

2. O grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.

3. Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído». Quem arrisca, o Senhor não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em direcção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento para dizer a Jesus Cristo: «Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar a minha aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor; aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores». Como nos faz bem voltar para Ele, quando nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar «setenta vezes sete» (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida que nos impele para diante!